Referências:
- ENGELS, Friedrich. Estágios pré-históricos de cultura; Barbárie e Civilização. In: A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Global Editora, 1986, p. 21-28; p.177-201.
- CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p.132-152.
- KRADER, Lawrence. Evolução, revolução e Estado: Marx e o pensamento etnológico. In: Hobsbawn, História do Marxismo, vol. 1, p.263-300.
1º) ENGELS, Friedrich. Estágios
pré-históricos de cultura; Barbárie e Civilização. In: A origem da família, da
propriedade privada e do Estado
Objetivo
do livro:
·
Buscar as gêneses das sociedades;
·
Esforço de sistematização sobre a teoria
do Estado
Sistematizar
uma teoria marxista do Estado a partir de pontos teóricos e históricos.
Ponto
central do livro:
O Estado e a família não existiram desde
sempre, foram criados através das condições materiais de existência. E, se
forma criados, poderiam vir a desaparecer.
Tese
do livro:
Se
o Estado nem sempre existiu, ele é uma categoria histórica, ele surgiu a partir
de 03 pontos:
·
Propriedade;
·
Divisão social do trabalho;
·
Divisão de classes
Publicado em Zurique, em 1884,
O livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado, é de extrema
importância para o entendimento de como nossa sociedade
chegou aos moldes atuais. Engels começa uma abordagem própria sobre o
trabalho de Lewis Henry Morgan, autor das obras de
grande importância: “Sistemas de consanguinidade e afinidade da família humana”
e “A sociedade antiga”, onde o mesmo aborda como se instituiu relações de parentesco entre mães, pais e filhos, a
partir de corroborações de outros autores importantes da época. Contudo, que se
esclareça que o autor não se limita a comentários sobre as obras supracitadas,
há muito de sua própria pesquisa e concepção sobre o tema.
Críticas vigentes sobre às
características do evolucionismo de Morgan: Noção de passagem das
noções antigas (primitivas) às modernas:
- Linearidade;
- Centrado na Europa;
- Hierarquia;
- Falta de provas empíricas;
- Ideia de progresso.
|
Ø Por que Marx e Engels se interessam
por Morgan?
1-
Baseia-se nas condições materiais de
existência;
2-
Pesquisa de Morgan é feita entre os
iorqueses, que possuem uma sociedade sem classes, a partir daí pode se pensar o
comunismo primitivo.
A influência de Morgan:
·
A classificação do desenvolvimento
da humanidade a partir das condições materiais de existência;
·
O Estado como categoria
histórica: Os condicionantes do surgimento do Estado - a
propriedade privada, a divisão social do trabalho, a divisão da sociedade em
classes.
|
Em um trecho do prefácio, Engels atenta que, “de
acordo com a concepção materialista, o fator decisivo
na história é, em última, a produção e a reprodução da vida imediata. De
um lado, a produção de meios de
existência, de produtos alimentícios, habitação, e instrumentos necessários
para tudo isso; de outro lado, a
produção do homem mesmo, a continuação da espécie”. É nesse argumento que
ele irá sustentar suas explanações sobre a constituição da civilização,
revivendo parte da teoria da sua obra conjunta com Marx “O Manifesto
Comunista”.
Ressalta o autor que a sociedade anterior a nossa, denominada
“gentílica” e antiga, é substituída
“por uma nova sociedade submetida às relações de propriedade e na qual tem
livre curso as contradições de classe e a luta de classes”. A prova dessa
mudança pode ser identificada com a passagem da sociedade matriarcal para a patriarcal.
Seguindo esse raciocínio, o autor cita a teoria de J. J. Bachofen,
autor do livro “Direito Materno”. Nessa obra, Bachfoen afirma que
primitivamente, os seres humanos viveram em promiscuidade sexual, que estas
relações excluíam toda possibilidade de se estabelecer a paternidade de uma
criança, tendo-se, no caso, só certeza da filiação pelo lado materno, e que,
por esse motivo, as mulheres gozavam de grande poder. Desse momento histórico
surgiria a “ginecocracia”. Ao mesmo tempo em que o cita, Engels acredita que
suas considerações são válidas e destaca sua importância, apesar de também
afirmar que “estudar a fundo o volumoso livro de Bachofen é um trabalho árduo
e, muitas vezes, pouco proveitoso”, reconhece em muitos momentos sua
contribuição para o entendimento acerca da temática histórica abordada.
Crítica da antropologia: não existiu um
matriarcado, mesmo sem maridos as mulheres eram submissas aos irmãos.
|
J.F. Mac Lennan,
também é citado no início da obra pela sua contribuição com o estudo de “tribos” exóganas, aquelas onde os
homens raptavam mulheres de outra tribo para o casamento, e também das “tribos” endógamas, onde os homens só
procuravam mulheres na sua própria tribo. O conhecimento de situações como a
“poliandria” vem do pensamento desse etnologista escocês. Isso acontecia,
segundo Mac Lennan, provavelmente porque, devido as recém-nascidas mulheres
serem comumente mortas, havia o número considerável de homens em relação ao de
mulheres. O autor é criticado em muitos momentos por Engels por não justificar
suas teorias de maneira consistente.
Passada a fase introdutória, Engels começa o livro
falando da
“pré-história da cultura”, onde o supracitado autor Morgan tem seus
estudos sobre os laços de parentesco
entre as tribos indígenas então localizadas em Nova York, analisados pelo
autor. Engels admite que tais escritos permitiram transformar os traços
fundamentais do fundamento pré-histórico da história escrita, e ainda conceber
a ideia proposta, através da gens iroquesa, baseada no direito materno e a passagem desse para a predominância do
direito paterno, que supostamente ocorreu na Grécia antiga. Dividindo-se em: estado selvagem, barbárie e civilização,
o autor esmiúça cada um desses períodos.
O estado selvagem
apresenta-se da seguinte forma:
Engels vai analisar estes três estágios a
partir da condição material de existência. A evolução das sociedades se baseiam
em: produção de alimentos e na relação de trabalho.
a)
fase
inferior: tomando como
verdadeira a teoria darwinista que o homem precede do reino animal, o
autor explica que, ao certo, os homens viviam, parte de seu tempo, em árvores, e se alimentavam de frutas, uma vez que as
criaturas que naquela época habitavam, seriam seus pretensos predadores;
b)
fase
média: fase onde o fogo surge como
“acessório” a culinária e espécies de animais aquáticos também se
incorporam a mesma. Nessa fase, incerteza e liberdade de locomoção fizeram com
que tenha perdurado em alguma parte desse momento histórico, a “antropofagia”; e,
c)
fase
superior: marcada pela invenção do arco e flecha,
do machado, entre outros instrumentos de caça e defesa.
Importante colocação feita por Engels ao dizer: “O arco e a flecha foram, para
a época selvagem, o que a espada de ferro foi para a barbárie e a arma de fogo
para a civilização: a arma decisiva”.
Na barbárie,
a) a fase inferior
destaca-se pela utilização da cerâmica na fabricação de
vasos e refratários. Como adverte o autor, nessa fase surge as
evidências das diferenças entre os continentes, e em virtude dessas, as populações se desenvolvem de maneiras distintas.
b) A fase média
da barbárie foi marcada pela domesticação de animais e
o cultivo de plantas. Engels relata como se propagou em todo o mundo, em cada
um dos continentes, no oriente e ocidente, Leste, Oeste, Norte, o
desenvolvimento dos meios de sobrevivência das sociedades, as migrações e a
forma como viviam, estando elas em diferentes estágios da pré-história
cultural. Início da divisão social do trabalho nas tribos pastorais.
- Produção de
excedente e a troca (ocasional);
- Propriedade
comunal, torna-se aos poucos propriedade privada.
- 1ª divisão
social de classes: senhores e escravos (guerra).
c) A fase superior
caracteriza-se pela fundição do minério de ferro.
- Separação entre
artesanatos e ofícios manuais;
- Produção
mercantil;
- Comércio
marítimo;
- Fim do trabalho
comunal da terra: “A terra cultivada foi distribuída entre as famílias
particulares, a princípio por tempo limitado depois para sempre” (p. 219)
- Divisão da
sociedade entre ricos e pobres
- Organização
política: chefe militar, conselho
- Títulos passam a ser hereditários (origem da
monarquia e da nobreza).
Ø Não
há Estado, os conflitos externos são resolvidos pela guerra.
Na civilização,
encontra-se a invenção da escrita alfabética.
Nessa fase, ocorreu um aumento considerável da
população, onde o homem desenvolve “a elaboração dos produtos naturais,
período da indústria propriamente dita e da arte”.
É
o momento do desenvolvimento das forças produtivas e, esta produção de
excedente faz com que seja necessário explorar o trabalho alheio, dando origem
às classes sociais.
-
Engels trata da natureza de classe dos Estado nos diferentes modos de produção
Características
da civilização:
- “consolida e aumenta todas
essas divisões do trabalho já existentes, acentuando sobretudo o contraste
entre a cidade e o campo” (p. 221).
- Terceira divisão social do trabalho:
produtores e comerciantes;
- Dinheiro metal;
- Terra se torna mercadoria (transmitida
por herança), concentração da riqueza, aumento dos pobres;
- Mercadoria passa a ser o ponto central
da sociedade
Relação com o capítulo “A assim chamada
acumulação de capital” do livro O capital.
|
- O surgimento de novos órgãos de poder
político.
- No final desse processo de transformação
social, é possível identificar o Estado como “um terceiro poder que, situado aparentemente por cima das classes em
luta, suprimisse os conflitos entre estas e só permitisse a luta de classes no
campo econômico, numa forma dita legal” (p. 226).
O Estado precisa se apresentar
como um terceiro para organizar a luta econômica e para fazer isso o Estado
precisa ocultar sua natureza de classe que é ocultada pelo arranjo.
Assim, a luta econômica é inevitável
e organizada pelo Estado.
®
Quais
são as condições para o surgimento do Estado?
A propriedade privada, a divisão do
trabalho e as classes sociais são condições para o surgimento do Estado. Se
estas condições não mais existirem o Estado deixa de existir.
Engels sintetiza, ao final desse primeiro capítulo,
uma análise das ideias de Morgan da seguinte forma:
“Por ora,
podemos generalizar a classificação de Morgan da forma seguinte: Estado
Selvagem. - Período em que predomina a apropriação de produtos da natureza,
prontos para ser utilizados; as produções artificiais do homem são, sobretudo,
destinadas a facilitar essa apropriação. Barbárie. - Período em que aparecem a
criação de gado e a agricultura, e se aprende a incrementar a produção da
natureza por meio do trabalho humano. Civilização - Período em que o homem
continua aprendendo a elaborar os produtos naturais, período da indústria
propriamente dita e da arte”.
Sendo assim,
evidencia-se que, na medida em que as
fontes de existência vão se tornando mais abundantes e variadas, também se nota
o progresso da humanidade em termos de evolução racional.
®
O
que é o Estado para Engels?
a)
Traços constitutivos:
povo, território, força pública, imposto, burocracia;
b)
Definição:
instrumento a partir do qual a classe economicamente dominante se converte em
classe politicamente dominante
c)
Função:
conter os antagonismos de classe, a fim de assegurar a reprodução do modo de
produção dominante;
Concepção
instrumental do Estado: relação de determinação, ou seja,
quem controla o econômico controla a política. Será que Marx e Engels possuem
uma visão instrumental do Estado? Nem sempre a classe dominante está no poder:
exemplo de Luis Bonaparte. E quando a classe dominante não está no poder?
Ou seja, na teoria marxista o Estado tem
aparente neutralidade, e equilibra a luta de classes, favorecendo a classe
burguesa?
Críticas
que se faz a teoria de Estado de Marx e Engels:
Poderia se dizer que a teoria de Marx se
baseia no economicismo e no evolucionismo?
Existe um evolucionismo no
texto de Engels?
Alguns teóricos defendem que o marxismo
é diferente do evolucionismo, porque o rumo da história não está determinado.
É possível falar de sucessão dos modos de produção, mas eles não colocam que
um modo de produção já está contido no outro, ou seja, o comunismo não
estaria no capitalismo. Não existe um único modo de passar de um modo de
produção para o outro.
Existe um economicismo na
teoria de Engels?
Os meios materiais de produção são
importantes, mas há também uma luta política que o Estado deve controlar, de
modo que não daria para considerar a luta de classes independentemente da
importância política, por isso não é economicista.
- Cartas de 1890 de Engels: em que
procura negar a visão economicista da história.
- Weber tem uma leitura economicista de
Marx, advinda da 2ª Internacional.
|
O Estado é instrumento de uma classe ou se
apoia nas duas classes para construir um equilíbrio? Uma classe não conseguiria
se sobrepor a outra classe, exemplo o bonapartismo: joga com os trabalhadores
contra a burguesia e com a burguesia contra os trabalhadores). Engels colocava
o bonapartismo como exceção.
As classes sociais que disputam as condições materiais de
existência: a partir delas que se analisa a
história, mas esta condição de existência, apesar de ser fundamentalmente
econômica, precisa ser analisada a partir também da base política.
Dica:
- Michel Lowy
- “Marx e os outros” – Jean Tible:
entende a história como sucessões contínuas e, como as mudanças ocorrem
através de forças em conflito, não tem como controlar e prever.
- “Marx tardio” de Pedro Leão da Costa
Neto (disponível em Crítica Marxista)
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/critica17-A-costa.pdf
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II
Capítulo:
No capítulo seguinte, o autor passa a abordar a família,
dando continuidade aos estudos de Morgan sobre os iroqueses. Cada modelo de família reflete a um estágio pré-histórico de cultura,
e assim, Engels define e diferencia cada um deles.
A família Consanguínea
representa a primeira noção de família em termos de identificação de parentesco
que tenha surgido. Pelo método consanguíneo, “os grupos conjugais
classificam-se por gerações (...), ascendentes e descentes, os pais e filhos,
são os únicos que, reciprocamente, estão excluídos dos direitos e deveres
(poderíamos dizer) do matrimônio. Irmãos e irmãs, primos e primas, em primeiro,
segundo e restantes graus, são todos, entre si, irmãos e irmãs, e por isso
mesmo maridos e mulheres uns dos outros”. Ou
seja, irmão e irmã praticavam conjunção carnal entre si. Engels afirma que não
há mais vestígios da família consanguínea.
A família Punaluana,
é caracterizada pela exclusão das relações carnais
entre irmãos e irmãs. Com essa nova categorização, cria-se as categorias
de primos e primas e sobrinhos e sobrinhas. As gens são instituídas nesse momento. Com as
restrições em relação às práticas sexuais e ao casamento, identificou-se o surgimento das uniões por grupos.
Aqui se nota a prática do rapto de mulheres por homens, para serem possuídas
por um ou vários desses.
Mais adiante, na família Sindiásmica,
já se observa o matrimônio por grupos de homens e mulheres. Contudo,
identifica-se aqui que: a poligamia é somente permitida
aos homens, ficando as mulheres comprometidas com a fidelidade,
afirmando Engels que a mulher que cometesse o adultério seria cruelmente
castigada. As relações extraconjugais dos homens com mulheres que não eram
casadas (as prostitutas) eram denominadas de heterismo, conceito dado por Morgan.
A prática da monogamia foi instituída
posteriormente, fazendo com que a relação matrimonial se consolidasse, pelo
menos na teoria. O autor nos explica que a mesma se originou em meio ao “povo
mais culto e desenvolvido da antiguidade”. Completa Engels que “foi a primeira forma de família que não se baseava em
condições naturais, mas econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade
privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente.
O surgimento da monogamia nada mais é do que uma sujeição de um sexo pelo
outro”. Repetindo a ideia de Marx, o autor reforça que “a primeira divisão de trabalho é a que se fez entre homem e a mulher
para a procriação dos filhos”, e ainda acrescenta, afirmando que “o
primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento
do antagonismo entre homem e a mulher na monogamia”.
Aqui, se identifica claramente a opressão feita de homens sobre mulheres, “sexo
feminino sobre o masculino”. Um chefe de sociedade
mantendo “a mulher, os filhos e certo número de escravos”, sob suas vontades e
poderes era o que se considerava família por povos como os romanos.
Surge, então, juntamente com a (ou proveniente da) monogamia, o patriarcado, o novo modelo familiar.
No entanto, a família monogâmica não era prevalência
absoluta em todas as regiões e épocas. Por exemplo, a liberdade sexual praticada nas fases barbáries e no estado selvagem
não foi completamente abolida com o matrimônio sindiásmico. Notou-se em um
momento adiante que entre os gregos, certa liberdade era concedida às mulheres,
e assim, o estabelecimento de vínculo matrimonial era dotado da mesma livre
escolha concedida aos homens. Engels atribui a essa nova monogamia “o amor
sexual individual moderno, anteriormente desconhecido no mundo”.
Posteriormente, após algumas considerações sobre a
transformação da sociedade e a instituição da família patriarcal, Engels afirma
com segurança que a família individual moderna é
fundamentada na “escravidão doméstica, franca ou dissimulada, da mulher”.
Conclui Engels
que, “o matrimônio, pois, só se realizará com toda a liberdade quando,
suprimidas a produção capitalista e as condições de propriedade criadas por
ela, forem removidas todas as
considerações econômicas acessórias que ainda exercem uma influência tão
poderosa na escolha dos esposos. Então, o matrimônio já não terá outra
causa determinante que não a inclinação recíproca”.
Antes de concluir o tema/capítulo família ele retoma
sua abordagem da obra de Morgan, destacando a seguinte declaração do autor: “se
se reconhece o fato de que a família tenha atravessado sucessivamente quatro
formas e se encontra atualmente na quinta forma, coloca-se a questão de saber
se esta forma pode ser duradoura no futuro. A única
coisa que se pode responder é que a família deve progredir na medida em que
progrida a sociedade. (...) A família é produto do sistema social e refletirá o
estado de cultura desse sistema. (...) é lícito pelo menos supor que seja capaz
de continuar seu aperfeiçoamento até que chegue à igualdade entre os dois
sexos”.
No capítulo III, o autor descreve, com riqueza de
detalhes, a gens iroquesa, destacando logo no início do capítulo a importância
do tema. Gens significa,
em geral, descendência comum, e é usada por
Morgan para denominar o grupo de indivíduos consanguíneos.
Engels faz
diversas considerações sobre a gens, dentre tais ele afirma ser essa “uma
instituição comum a todos os bárbaros até sua passagem à civilização e mesmo
depois dela”. Isso serviu para esclarecer como era estruturada a sociedade
antes da instituição e reconhecimento do Estado.
Na tribo iroquesa, mais particularmente a do senekas,
primeira estudada por Morgan, os membros eram livres e defendiam-se uns aos
outros. Na classificação dada por Morgan e descrita fielmente por Engels, essa
tribo era constituída por oito gens, com uma espécie de especificação por nomes
de animais. Sendo: 1ª lobo; 2ª urso; 3ª tartaruga; 4ª castor; 5ª cervo; 6ª
narceja; 7ª garça; 8ª falcão. Elas tinham os mesmos direitos e deveres,
formando uma grande “família-confederação” unida pela consanguinidade, e,
portanto, uma primeira noção do que futuramente seria o Estado-nação, tendo
inclusive chefes, conselhos e princípios como o da igualdade respeitados.
Atenta Engels que “tal era o aspecto dos
homens e da sociedade humana antes que se operasse a divisão em classes
sociais. E, se compararmos a situação deles com a da imensa
maioria dos homens civilizados de hoje, veremos que é enorme a diferença de
condição entre o antigo e livre membro da gens - e o proletário ou o camponês
de nossos dias”. Ao mesmo tempo, o autor admite que essa organização mais tarde
fosse perecer por já ter vícios iniciais que a fadariam a isso. “Não foi além
da tribo; a confederação de tribos já indica o princípio da sua decadência”.
No
capítulo IV, o autor aborda a gens grega. Nessa
tribo, torna-se regra o casamento com pessoas da própria gens, deixando,
portanto, de ocorrer a prática do casamento por grupos. Essa mudança ocasionou,
de certa forma, a migração para se adotar o regime patriarcal de sociedade.
Surge nessa tribo, uma subdivisão
denominada: “fratrias”, “que era uma gens-mãe dividida em várias gens-filhas,
às quais servia de laço de união e que as fazia, amiúde, descender também de um
antepassado comum”, reconhecida posteriormente, como uma
unidade familiar. A citação desse instituto está relacionada à Grote, que entre
outras coisas, nos informa que cada gens ateniense era designada de acordo com
seu suposto fundador.
As tribos e os pequenos povos tinham a seguinte
organização: a autoridade permanente era o conselho: bulê; a assembléia do
povo, convocada para assuntos importantes: ágora; o chefe militar, com
atribuições judiciais, militares e religiosas: basileu.
Sintetizando a forma de constituição dessa sociedade,
Engels afirma que “a riqueza passa ser valorizada e respeitada como um bem
supremo e as antigas instituições da gens são pervertidas para justificar-se a
aquisição de riquezas pelo roubo e pela violência”. Sendo assim, entende-se que
o autor averigua que há a tendência de com a evolução ter-se a criação de “uma
instituição que não só perpetuasse a acumulação e a nascente divisão da
sociedade classes, mas também garantisse o direito da classe possuidora em
explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda - o Estado”.
O
capítulo V aborda a gênese do Estado ateniense, onde se pode
identificar o desenvolvimento do Estado propriamente dito. Institui-se um poder
público central ateniense, de forma hierárquica, sendo percebida nesse momento,
uma divisão populacional em três classes sociais:
artesãos, agricultores e nobres, categorizando em ordem de importância
potencial, dos últimos para os primeiros.
Engels revela que essa situação “é a proclamação nítida do inconciliável antagonismo entre a
sociedade gentílica e o Estado; o primeiro sintoma
de formação do Estado consiste na destruição dos laços gentílicos,
dividindo os membros de cada gens em privilegiados e não privilegiados, e
dividindo estes últimos em duas classes, segundo seus ofícios, e opondo-as uma
à outra”.
Depois dessa nova classificação, e também por assim
dizer, “qualificação” de classes, se estabelece, inevitavelmente, a propriedade
privada. De tamanha relevância, a formação
do Estado ateniense é um modelo padrão para a formação do “Estado em geral”.
“Portanto, o Estado não existiu eternamente. Houve
sociedades que se organizaram sem ele [em que a produção era essencialmente
coletiva e o consumo realizava-se através da distribuição direta dos produtos],
não tiveram a menor noção do Estado ou do seu poder. Ao chegar a certa fase de
desenvolvimento econômico, que estava necessariamente ligada à divisão da
sociedade em classes, essa divisão tornou o Estado uma necessidade” (p. 231).
No capítulo VI,
Engels expõe o Estado romano e a gens. A estrutura dessa
civilização é praticamente a mesma do Estado Ateniense. Ninguém poderia
pertencer ao povo romano se não fosse membro de uma gens, consequentemente, de
uma cúria (senado que administra um município/tribo/subtribo) e de uma tribo.
Engels explica que “a gestão dos negócios públicos era
da competência do Senado, composto dos chefes das trezentas gens, (...) por
serem dos mais velhos em suas gens, estes chefes chamavam-se patres, pais; o
conjunto deles ficou sendo o Senado (de senex, velho – Conselho de anciãos)”. O Estado romano tinha funções muito parecidas com as a ele
atribuídas na atualidade, das quais, elaborar leis e discutir normas de
conduta, que eram votadas naquelas tribos, pela assembleia do povo. Foi
em Roma, no Estado romano, que essa forma de representação política foi criada.
No entanto, Engels explica que nem todos os membros
dessa tribo tinham acesso a assembleia do povo e nem podiam exercer função
pública. Os plebeus eram a classe que, por não terem riquezas materiais, nem
terras, não podiam participar ativamente da vida em sociedade, não podendo ser
considerados como verdadeiros cidadãos por sua condição social.
No capítulo VII
e VIII,
o autor estuda a gens entre os celtas e entre os
germanos e a formação do Estado germano, respectivamente. Algumas
características das gens celtas, tribo desenvolvida em sua maioria na Europa
(Alemanha, França, Irlanda, Escócia e País de Gales), são: cada família tinha
cinco acres de terra para seu cultivo particular; a monogamia ainda não tinha
sido instituída, sendo o matrimônio sindiásmico ainda praticado. Com relação às
regras matrimoniais, muitas são consideradas por Engels bizarras e inadequadas
devido ao seu rigor e as diferenças extremas entre as normas descritas dentro
do contrato matrimonial para homens e mulheres. Só para uma rápida
exemplificação, a mulher que cometesse adultério, como castigo, poderia ser
espancada pelo marido.
Entre os germanos, diferente dos celtas, a mulher era
autoridade tanto quanto o homem. Engels destaca que “o direito materno tinha
sido substituído pelo paterno; os filhos herdavam do pai, e na falta deles,
herdavam os irmãos e os tios, de linha materna ou paterna”. O autor identifica
vários vestígios do matriarcado na gens do Estado germano, dando-se muitos
privilégios as mulheres, apesar de “que lhe competiam todos os afazeres
domésticos”.
A consequência da conquista foi a dissipação do
vínculo consangüíneo na gens, fazendo também com que o Estado germano tivesse
grande população. O autor atenta que “os povos germanos, donos das províncias
romanas, tinham que organizar suas conquistas; mas as massas romanas não podiam
ser absorvidas nas corporações gentílicas, nem podiam ser regidas pelo sistema
dessas corporações”. As circunstâncias levavam a transformação da sociedade
tanto de maneira particular quanto com em aspectos de poder público e
representativo.
Critica Engels que “a organização social e a
distribuição da propriedade no império romano agonizante correspondiam
plenamente ao grau de produção contemporânea na agricultura e na indústria, e
por isso eram inevitáveis”, também completa que “o estado da produção não
tivera avanços ou recuos de natureza essencial nos quatrocentos anos
subsequentes e, também por isso, produzia necessariamente a mesma divisão da
propriedade e as mesmas classes sociais”.
Nas considerações do capítulo IX, a Barbárie e a
Civilização são abordadas. Na verdade, nessa
última fase, Engels faz uma análise da construção e dissolução da gens e a
organização social, financeira, e, conjuntamente, cidadã. Engels,
inclusive indica a obra de Marx, O capital, para um estudo e entendimento mais
aprofundado, e complementar a Morgan, da luta de classes e das situações
contraditórias que surgem com a acumulação de riquezas e terras.
Para
concluir, ressalta-se o repúdio de Engels ao fato de nas gens e na tribo haver
divisão em diferentes classes. Com relação a divisão do trabalho ele entende
que, “é absolutamente espontânea: só existe entre os dois sexos. (...). cada um
manda em seu domínio: o homem na floresta, a mulher em casa”. (?)
Visando enriquecimento, o homem passou
a produzir mais do que o necessário para sua manutenção. Passou também a
trabalhar mais, na medida em que a criação de gado e agricultura se
desenvolviam com extrema rapidez. Além disso, a aparição dos rebanhos e outras
riquezas novas, foram responsáveis por uma revolução da família.
Sintetize-se que, “o regime gentílico já estava caduco. Foi
destruído pela divisão do trabalho que dividiu a sociedade em classes, e
substituído pelo Estado”. Engels conclui que: “Desde que a
civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu
desenvolvimento se opera numa constante contradição. Cada progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição
da classe oprimida, isto é, da imensa maioria”. Insiste ele que essa
situação não deve prosseguir assim. O bem de todos é mais relevante do que o de
uma minoria dominante, que ocupa o topo da pirâmide social.
Que esse raciocínio da obra de Engels seja finalizado
com uma consideração de Morgan, que foi conjuntamente analisado, e que resume a
pretensão social das informações passadas nos pensamentos desses autores: “a
democracia na administração, a fraternidade na sociedade, a igualdade de
direitos e a instrução geral farão despontar a próxima etapa superior da
sociedade, para a qual tendem constantemente a experiência, a razão, e a
ciência. Será uma revivescência da liberdade, igualdade e fraternidade das
antigas eras, mas sob uma forma superior”.
Dicas:
Texto “Engels e a origem da opressão da
mulher”
“Evolução, Revolução e Estado” - Krader
|
POSIÇÃO
DE CLASTRES
®
Por que Clastres
se opõe à formulação sociedade sem Estado?
Clastres não defende a definição de
sociedade sem Estado, porque:
a)
Como classificar uma sociedade pela sua
ausência? Denota uma visão etnocêntrica.
b)
Expressa valoração;
c)
Clastres defende que a ausência de Estado
nestas sociedades não demostra uma deficiência, pois é um ato de vontade.
®
Por que o autor
critica a expressão economia de subsistência? Qual sua interpretação para a
produção de subsistência?
Segundo Clastres, o termo “economia de
subsistência” aponta para uma incapacidade, seja técnica (ausência de
desenvolvimento) seja moral (preguiça) ou material (ausência de recursos
naturais). Estas características inibem a produção de excedente. Para Clastres
é preciso se ter em mente que nestas sociedades havia uma recusa à produção de
excedente, como algo inútil.
Como analisar a passagem da
recusa do excedente para a vangloria do excedente, como campo material? Hoje
o excedente não seria inútil, pois tem uma dimensão simbólica importante,
importante para a hierarquia social.
|
Como se passa para a produção de
excedente? É pela força (opressão) que os homens trabalham para
produção de excedente. Requer coação.
- Engels: a propriedade privada que cria o
Estado;
- Clastres: é a força que cria as classes
(inverte Engels).
®
Por
que Clastres se opõe à formulação sociedade sem Estado?
Existe poder político sem Estado? Para
Clstres é possível, pois o coletivo tem poder sobre o chefe.
®
Como
Clastres ecplica o surgimento das classes sociais?
Segundo Clastres, para existir acumulo de
propriedade, preciso de um apoio político. Não é a mudança na infraestrutura
que muda a superestrutura. Assim, as classes são resultado do Estado (inverte
Engels).
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Como
Clastres explica a organização política nas sociedades ditas primitivas?
Clastres defende uma diferença entre
Política e Estado (Já colocado por Weber de outra maneira).
Afirma que a chefia é uma lugar
de prestígio para resolver conflitos, mas não concentra poder. Como este modelo
muda e cria o Estado? Clastres coloca três hipóteses:
1)
Crescimento demográfico: Estado como
unificador das tribos atomizadas.
2)
Escravização (colonização), ou seja,
conquista externa pela força.
3)
Palavra profética (capacidade de
oratória): força a partir da crença, que a partir dela se cria um valor e por
isso o profeta é seguido.
Página 143: diferença entre chefe e
profeta:
CHEFE
- sem poder de coerção
- tem prestígio
- palavra não fundamenta o comando.
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PROFETA
-
capazes de aglutinar;
-
palavra trás um comando;
-
talvez esteja presente a noção de poder (lugar originário do poder)
|
Crítica central de
Clastres: Marx e Engels nunca focaram claramente o que é o poder político.
Dica:
- Marcus Lanna:
“As sociedades contra o Estado existem?” – neste texto critica Clastres: Será
que o Estado não está presente nas sociedades primitivas, mas sem se
manifestar?
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Nota-se que o Estado, na teoria de Engels, utiliza
diversos recursos de coerção e disciplina, tanto ocultos quanto explícitos,
para manter a salvo a propriedade e os privilégios das classes dominantes.
É, em síntese, na noção de posse material e na
proteção dessa que reside a principal justificativa para o surgimento do
Estado, de acordo com o materialismo histórico. Os antagonismos
econômicos entre as classes e a divisão entre exploradores e explorados os
elementos responsáveis pela emergência de uma instituição com finalidade
coercitiva, tal como é o Estado (ENGELS, 2000).
No entanto, estudos de Antropologia Política têm
defendido uma posição diferente acerca da origem do Estado. Pierre Clastres (1990),
analisando algumas sociedades primitivas “sem Estado”, como a dos yanomami do
norte do Brasil, afirma que o poder político jamais
poderia ter surgido a partir das diferenças de classes e da exploração de uns
sobre os outros:
“O Estado, dizem, é o instrumento que permite à classe
dominante exercer sua dominação violenta sobre as classes dominadas.
Seja. Para que haja o Estado é necessário, pois, que exista divisão da sociedade
em classes sociais antagônicas, ligadas entre si por relação de exploração. Por
conseguinte, a estrutura da sociedade – a divisão em classes – deveria preceder
a emergência da máquina estatal. Observemos de passagem
a fragilidade dessa concepção puramente instrumental do Estado. Se a
sociedade é organizada por opressores capazes de explorar os oprimidos, é que
essa capacidade de impor a alienação repousa sobre o uso de uma força
[coercitiva], isto é, sobre o que faz da própria substância do Estado “monopólio
da violência física legítima”. A que necessidade responderia desde então a
existência de um Estado, uma vez que sua essência – a violência – é imanente à
divisão da sociedade, já que é, nesse sentido, dada antecipadamente na opressão
exercida por um grupo social sobre os outros? Ele não
seria senão o inútil órgão de uma função preenchida antes e alhures (p.142)”.
Se a exploração de uma classe sobre as
outras revela o poder que a classe exploradora possui na sociedade, por que
então se justificaria a criação, por essa classe, de uma instituição política
destinada a esse mesmo propósito, ou seja, explorar e oprimir? Tal
instituição seria, portanto, inútil. É esse o argumento central com o qual
Clastres procura refutar a visão do materialismo histórico acerca da origem do
Estado. Para ele, ocorre exatamente o processo inverso: “A relação política de poder precede e fundamenta a relação econômica de
exploração. Antes de ser econômica, a alienação é
política, o poder antecede o trabalho, o econômico é uma derivação do político,
a emergência do Estado determina o aparecimento das classes” (p. 139).
As sociedades primitivas, por serem sociedades
igualitárias, ou seja, isentas de exploração (ou alienação) do trabalho, são,
por esse motivo, sociedades sem Estado. O poder político nessas sociedades é
suprimido em sua origem por representar a imposição da vontade individual sobre
a da coletividade. O poder maior reside na sociedade (e
não nos grupos ou indivíduos) e qualquer tentativa de impor a vontade
individual sobre a coletiva é reprimida por esse poder. A divisão do trabalho também é realizada
respeitando os padrões de igualdade social, não havendo exploradores nem
explorados. Tanto a produção como a apropriação do que é produzido são
coletivas, comunitárias. Não havendo propriedade privada, não há desigualdade
social. Não havendo desigualdade, não há espaço para o surgimento de uma
instituição como o Estado, destinada a impor e perpetuar a diferença na
sociedade. Clastres (1990) levanta a seguinte questão: “Por que se teria o
surgimento da propriedade privada num tipo de sociedade que ignora, por
recusá-la, a propriedade?” (p. 142). E continua, afirmando que: “As sociedades primitivas são sociedades sem Estado porque,
nelas, o Estado é impossível” (p. 143).
Desta forma, se não se pode garantir ao certo se foi o
poder político que precedeu à divisão da sociedade em classes, determinando,
geneticamente, essa divisão (de acordo com o enfoque antropológico defendido
por Clastres), ou se foi essa divisão que tornou imprescindível o surgimento de
um poder coercitivo estatal, destinado a amortizar os conflitos entre as
classes antagônicas (como defende o materialismo histórico), ou seja, se não
podemos ter certeza sobre a origem do Estado, por outro lado é possível levantarmos
algumas evidências sobre a sua função. Sabe-se que o
surgimento do Estado demarca o que se convencionou chamar de civilização.
Na verdade, a própria gênese da palavra “civilização” está diretamente
relacionada à existência do Estado. Do grego, “civis” significa civil, ou seja,
sociedade civil. E a sociedade civil pressupõe a presença de uma esfera
política, de um Estado enquanto instituição gestora.
Distinção entre diacrônica e sincrônica
na antropologia: Os antropólogos evolucionistas do século XIX se preocupavam
com o tempo diacrônico que se caracteriza pelo fluir do
tempo e, portanto, pelo processo histórico (cronologia). O seu interesse
principal era desvendar as origens da ‘cultura’ ou
‘civilização’. Em contraposição, o tempo sincrônico consiste
no momento presente, atual. Os antropólogos modernos, após Malinowski, têm
estudado a sociedade e a cultura a partir de um interesse no que ocorre no
presente, ou seja, a partir de um enfoque sincrônico. A sua principal
preocupação era explicar o presente, e não o que ocorreu antes. A
antropologia moderna deixou de se preocupar com as origens da cultura, preferindo
explicar o presente, (Entretanto, após os anos 1980, pensou-se que excluir a
história e o passado da mira da antropologia era radical demais e a
disciplina voltou a discutir a relação entre presente e passado).
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