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A dualidade de Poderes - Carlos Nelson Coutinho

Referência: COUTINHO, Carlos Nelson. A dualidade de poderes: Estado e Revolução no pensamento marxista. In: A dualidade de poderes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 1994.


1º texto: Coutinho - A dualidade de poderes: Estado e Revolução no pensamento marxista
Objetivo: analisar o modo pelo qual os conceitos de Estado e Revolução se articulam e evoluíram na reflexão marxista.
Tema central do livro: Para Marx, Engels e Poulantzas a ideia de uma transição ao socialismo resulta de uma luta política de classes e implica a construção de um novo tipo de Estado. Segundo as palavras de Coutinho, este representaria o momento da continuidade na teoria marxista e ele se propõe uma oura definição de Estado que leva a uma interpretação diferente sobre a dualidade de poderes na transição para o socialismo, este novo percurso Coutinho chama de momento da renovação.

Tese: dependendo do modo restrito ou amplo de conceber o Estado, leva a dois diferentes paradigmas da revolução socialista: explosivo e processual.  A expressão restrita e ampla se relaciona à categoria dialética de abstrato e concreto.
®            O que é dialética?
Marx, seguindo Hegel, concebe a dialética como “um método de articulação categorial que procede mediante a elevação do abstrato ao concreto, do menos complexo ao mais complexo”(p.14) – com o objetivo de construir uma ‘totalidade concreta’, de ‘uma síntese múltiplas de determinações’.
A concepção marxista será mais ampla conforme quanto maior for “o número de determinações do fenômeno estatal por ela sintetizados na construção do conceito de Estado”. E o restrito se concentrará em poucas determinações da esfera político-estatal.
A elevação do abstrato ao concreto (ou a ampliação do conceito de Estado) possui uma dupla dimensão:
a)              Dimensão gnosiológica: referente ao nível maior ou menor de abstração conceitual que se situa o pesquisador para analisar o objeto;
b)             Dimensão histórico-ontológica: referente ao grau maior ou menor de complexidade (concretização) da realidade objetiva com a qual o pesquisador se depara.

Parte da Filosofia que trata dos fundamentos do conhecimento. = GNOSEOLOGIA

EXEMPLO:
Um pesquisador pode se situar no nível abstrato constituído pelo ‘modo de produção’ e dele derivar a teoria do Estado (definido abstratamente como o aparelho de dominação da classe mais pobre) e também a própria estrutura de classes (como uma contraposição bipolar abstrata entre duas classes fundamentais). Esta abordagem abstrata e preliminar é um momento necessário na investigação histórico-materialista do Estado, mas nem todos reconhecem que ela seja suficiente para analisar o fenômeno estatal em suas manifestações concretas. E, quando o resultado da dedução abstrata é projetado sem mediação no nível concreto (da realidade social), isso leva a erros.
·                Coutinho cita como exemplo deste erro a posição assumida pela internacional Comunista entre 1929 e 1935 quando a hipótese abstrata de que ‘todo Estado é uma ditadura de classe’ levou a anulação das diferenças concretas entre Estados fascistas e Estados liberal-democráticos.

®            Como se realiza a ampliação do conceito de Estado?
- Plano gnosiológico: “articular dialeticamente os momentos abstratos obtidos na análise do modo de produção com as determinações mais concretas que resultam do exame da formação econômico-social” (p.15). Daí ser preciso a introdução de novas determinações e diversas esferas:
a) esferas econômicas: articulação hierarquizada de diferentes modos de produção;
b) esfera social: ‘complexificação’ da estrutura e dos conflitos de classe;
c) esfera política: novas características do fenômeno Estatal no seu papel, na reprodução global das relações de produção.
Neste sentido, o MANIFESTO COMUNISTA está situado em um nível de abstração alto, já o 18 DE BRUMÁRIO teria análises mais concretas.
Esta dualidade se manifesta na dualidade do pensamento marxista:
a)              Escola derivacionista: deriva o Estado diretamente da lógica de acumulação capitalista;
b)             Pesquisas gramscianas: analisa o Estado tendo em vista as complexas articulações da formação econômico-social.

A relação entra abstrato e concreto vai além da escolha gnosiológica entre diferentes níveis sincrônicos (fatos que se realiza ao mesmo tempo que outro - simultaneidade), abrange a dimensão diacrônica histórico-objetiva do real (sem simultaneidade).

Tempo diacrônico que se caracteriza pelo fluir do tempo e, portanto, pelo processo histórico (cronologia). Em contraposição, o tempo sincrônico consiste no momento presente, atual.

·                Para Marx, categorias são formas de ser, determinações da existência”

Segundo Coutinho “a ampliação do conceito de Estado em pensadores marxistas mais recentes, quando comparados com Marx, Engels, Lenin ou Trotski, não resultou apenas da escolha de um ângulo de abordagem mais rico (menos abstrato); resultou também do próprio desenvolvimento objetivo tanto do modo de produção quanto da formação econômico-social capitalista”. P.17
Assim, “ao introduzir novas determinações na esfera do ser social (especialmente da esfera política) a dinâmica do desenvolvimento histórico-ontológico tornou necessária a superação dialética de uma concepção restrita do Estado, na medida em que o próprio Estado se ampliou objetivamente”. P.17
Portanto, Coutinho analisa a ampliação do Estado no sentido da diacronia histórico-ontológica.

2. Teoria “restrita” do Estado e concepção “explosiva” da revolução
2.1) O ponto de partida Marx e Engels

2.1 O ponto de partida de Marx e Engels

Para analisar a problemática do Estado Moderno, Marx se apoia no postulado de Hegel:
a) enquanto o reino da sociedade civil (esfera das relações econômicas) seria o reino dos indivíduos particularistas – esfera econômica;
b) Estado seria a esfera da universalidade. Diferentemente de Hegel, Marx vê essa universalização como formal (não de fato).

Se existe esta divisão posta acima, é correto afirmar que o homem moderno está dividido em duas partes:
a) por um lado é o burgeois: indivíduo concreto que luta por seus interesses particulares;
b) citoyen: homem abstrato, pauta suas ações em interesses gerais e universais.

Segundo Marx, esta divisão impede que o Estado possa representar efetivamente uma vontade geral. O homem concreto, da sociedade civil só conhece interesses particulares, assim quando esse homem passa a fazer parte do Estado ele mantém sua visão particular, formando uma esfera burocrática que vai defender seus próprios interesses, por isso a ideia do Estado enquanto representante do interesse geral não passa de aparência, que procura ocultar os reais interesses do Estado. Neste sentido, o citoyen não passará de uma abstração enquanto não se eliminar o particularismo objetivo do burgeois. Nas palavras de Coutinho, Marx “mostra que o Estado tem sua gênese nas relações sociais concretas, não pode assim ser compreendido como uma entidade em si”.

Características da teoria de Hegel:
a)              A sociedade civil como terreno das carências particulares, dos interesses privados e egoístas, espaço do trabalho e da economia, reino da desigualdade, do antagonismo.
b)             O Estado como fundamento da sociedade civil, reino da igualdade, do universal, como unidade de pessoas diversas.
c)              A prioridade do público sobre o privado
d)             O universal como condição para a conservação dos interesses particulares no âmbito da sociedade civil
e)              Corporação: mediação entre o universal e o particular
f)              Burocracia: síntese da contradição

Com este movimento, Marx critica:
a) a teoria hegeliana da burocracia como “classe geral”;
b) a noção de Estado como encarnação da Razão Universal

Em seu texto, Coutinho afirma que Marx se aproximou do marxismo na medida em que se propôs analisar criticamente o Estado, ampliando a análise econômica.
As mudanças na concepção de Estado na obra de Marx
Textos de juventude: crítica, mas influência de Hegel (1770-1831):
Hegel: Família, sociedade civil-burguesa e Estado como configurações da Eticidade;
A separação Estado X sociedade civil.


®            Como Marx quebra a noção de Estado como Razão Universal?
 Marx busca analisar os fundamentos materiais da divisão da sociedade civil em interesses antagônicos, levando em consideração o aspecto ontológico-social da economia (Manuscritos Econômicos Filosóficos - 1844). Ao vincular os interesses antagônicos à divisão da sociedade em classes (proprietários e proletários), Marx altera a visão de Estado como encarnação formal e alienada do interesse universal, passando a ser visto como organismo que exerce uma função específica: “(…) garantindo a propriedade privada, O Estado assegura e reproduz a divisão da sociedade em classes (ou seja, conserva a ‘sociedade civil’) e, deste modo, garante a dominação dos proprietários dos meios de produção sobre os não proprietários(...)” (Coutinho, p..19)
Ou seja, o Estado é um Estado de classes, que em nome de um suposto interesse geral defende o interesse comum de uma classe particular (esta nova formulação de estado aparece na Ideologia alemã de 1845)

Ø   Qual a condição para o funcionamento do Estado? As instituições comuns passam pela mediação do Estado, assim o Estado se apropria de toda decisão atinente ao que é comum, despolitizando a sociedade. Assim, para o jovem Marx e Engels a condição de funcionamento do Estado é que “a política seja uma esfera restrita e que a sociedade civil enquanto tal seja uma esfera despolitizada, puramente privada”.

Esta concepção do Estado será relacionada com a teoria da revolução socialista no livro “Manifesto do Partido comunista” de 1848. O Estado simplificou os antagonismos de classes. Neste livro os autores não deixam claros quais os mecanismos utilizados pelo estado para manter sua natureza de classe. Coutinho afirma que:

Ø   Os mecanismos utilizados pelo Estado para manter sua natureza de classe: O materialismo institucional do Estado se expressa nos aparelhos repressivos e burocráticos executivos. Assim, segundo Coutinho se forma a CONCEPÇÃO RESTRITA DE ESTADO: “esse seria a expressão direta e imediata do domínio de classe (‘comitê executivo’), exercido através da coerção (‘poder de opressão’) ”.
A coerção é necessária para tentar equilibrar interesses antagônicos. Neste momento Marx ainda defendia que a lei de movimento do Capital conduziria o proletariado à pauperização absoluao. Ideia depois abandona principalmente em O Capital. Essa ideia poderia ter sentido na época da Mais Valia absoluta, mas não na mais valia relativa.

   Mais valia relativa: alteração da forma de exploração, baseada em concessões aos trabalhadores.

Ø   A partir do conceito de Mais valia absoluta e relativa Coutinho procura mostrar o porquê da revolução socialista podia ser concebida como uma explosão e como as mudanças sociais permitem que esta mudança seja feita de modo processual:
Assim, “por causa da tendência a pauperização absoluta, que levaria à necessidade de uma coerção permanente, a luta de classes assumiria imediatamente a forma de uma guerra civil” (Coutinho, p.21). Em determinado momento, esta guerra explodirá numa revolução aberta e o proletariado estabelecerá seu poder pela derrubada violenta da burguesia

Ø   Porque que a quebra do capitalismo precisa ser feira de modo violento?
Se o Estado é o “comitê da burguesia” e monopoliza toda esfera legal e política, os interesses econômicos não permitiriam nenhuma concessão aos interesses da classe proletária. E, já que a forma política da luta de classe é a guerra civil, a transição para o socialismo só pode ocorrer de forma súbita e violenta.

No Manifesto Marx e Engels não explicitam as formas concretas que uma revolução precisa ter. Eles só farão isso após experiências concretas de Revolução: a de 1848 na Alemanha, que foi a luta entre a democracia radical contra o absolutismo prussiano (revolução democrático burguesa).

Tem uma coletânea de livros da UNESP sobre as revoluções.

Ø   Dualismo de poderes:
Foi a partir desta revolução de 1848 que emerge a problemática da dualidade de poderes como elemento central da dinâmica do processo revolucionário.
A revolução seria a disputa entre a Assembleia Nacional e a Coroa, e este dualismo reflete um conflito de classes. A dualidade de poderes implica o aguçamento máximo das lutas de classe, ou a passagem da guerra civil mais ou menos oculta para o momento explosivo, por isso não tem como haver conciliação, a situação resultará na supressão violenta de um dos poderes.

Segundo Marx “Toda situação provisória de Estado depois de uma Revolução exige uma ditadura, inclusive uma ditadura enérgica” (Marx, A crise da contrarrevolução - 1848), para destruir o que resta das antigas instituições e conter os contrarrevolucionários.

 O QUE MARX ENTENDE POR DITADURA?
Marx afirma que a ditadura nada mais é do que a transição à abolição de todas as classes e a uma sociedade sem classes (cartas a J.Weydemeyer, 1852)


Após todos estes acontecimentos (Revolução Alemã e Comuna de Paris) no livro “Mensagem do comitê Central à Liga dos Comunistas”, os autores enumeram o que deve ser seguido pelo movimento proletário revolucionário:
A) Revolução Permanente: ideia tomada quase integralmente por Trotski e que será combatida por Gramsci (que a considera uma ideia anacrônica): segundo Marx e Engels, os proletariados devem lutar em movimentos revolucionários burguêses contra o sistema feudal, mas não deve parar aí, deve continuar até alcançar os objetivos anticapitalistas. “(…) até que o proletariado conquiste o poder de Estado, até que a associação dos proletariados se desenvolva não num só país, mas em todos os países predominantes do mundo”. O governo dos proletariados deve ser armado e organizado.

Relação entre Revolução permanente e os dois estágios da Revolução em Lênin.



Coutinho resumo a argumentação de Marx sobre a necessidade de uma revolução proletária explosiva:
a) uma noção restrita do Estado, ou seja, que entende o Estado como o comitê executivo da classe dominante, que despolitiza a sociedade civil e se vale da coerção.
b) concepção da luta de classe como conflito bipolar entre burgueses e proletariados (o que Coutinho coloca como conflito simplificado), como uma guerra civil mais ou menos oculta que virá a explodir.
c) Uma revolução socialista como revolução permanente, que deve criar um poder material armado da classe operária, que deve derrubar violentamente a classe burguesa.
d) o duplo poder como algo transitório que levaria a eliminação violenta de uma das partes e instauração de um governo ditatorial pela parte vencedora.

2.2 Digressão sobre o último Engels
“a concepção ‘restrita’ de Estado e o paradigma ‘explosivo’ do processo revolucionário foram superados, pelo menos parcialmente, nas obras mais tardias de Marx e, sobretudo de Engels”. (Coutinho, p.26)

Ø   “Introdução” escrita por Engels para a reedição de “As lutas de classe na França”, 1850:
Engels realiza uma autocrítica sobre a posição adota por ele e Marx entre 1848-1850 (período estudado acima). O autor formula novas estratégias para o movimento operário, que encaminham para a concepção “processual” (nas palavras de Coutinho), defender a luta de classes nos quadros da legalidade democrática, para isso as massas precisam compreender a situação em que se situam e empreender um processo de mudança. Para que a massa tome consciência é preciso um trabalho longo e permanente. Essa ideia se baseia numa nova formulação do conceito de Estado.

Ø   Nova formulação do conceito de Estado:
Ele não é mais visto como simples comitê da classe dominante, aparece agora como fruto de um contrato. Ele não abandona a ideia de natureza de classe de todo poder estatal, no entanto, afirma que a dominação de classe não se faz apenas através da coerção (poder opressivo), mas implica em mecanismos de legitimação que asseguram o consenso dos governados, que seria o pacto ou contrato. Estes mecanismos de legitimação e consenso se encarnam nas instituições, que foram estabelecidas graças as lutas proletárias (sufrágio universal, partido político).

Em 1891 Engels afirma que “Nosso partido e a classe operaria só podem chegar à dominação sob a forma da república democrática. Essa última é, inclusive, a forma específica da ditadura do proletariado” (Coutinho, 28). Se a transição se faz sob a forma de uma república democrática modifica-se a ideia de revolução. Ao introduzir a ideia deste processo consensual Engels empreende uma noção AMPLIADA DE ESTADO.

Ø   Crítica a Eduard Bernstein e Kautsky
Ambos empreenderam uma análise do Engels tardio, suas análises foram chamadas de REVISIONISMO. Trataram do novo papel assumido pelo parlamento e pelo sufrágio universal na transição para o socialismo, no entanto, abandonaram as velhas determinações coercitivas e classicistas do Estado, assim, a partir de uma equivocada identificação entre liberalismo e democracia definiram a “república democrática” como formada por um conjunto de regras jurídico procedimental socialmente neutras, “o que faria dessa república uma república situada acima das classes” (Coutinho, p.29). Abandonaram, assim, elementos essenciais da concepção histórico materialista, inaugurando uma posição amplamente assimilada pela socialdemocracia (principalmente após a Primeira Guerra). Estes autores se situam fora da tradição marxista, “neles, o momento da renovação não se articula dialeticamente com o da conservação e, por isso, ao invés de renovarem (…) o que realmente fizeram foi aderir a uma concepção liberal do Estado e da transformação social” (Coutinho, p.29)

2.3 – A dualidade de poderes em Lênin e Trotski
- Teoria de Lênin sobre a dualidade de poderes - limita o alcance da revolução na específica situação concreta da Rússia.
- Lenin fala do ineditismo do duplo poder, a partir da análise da revolução Russa, mas Marx já havia tratado do duplo poder, como afirma Coutinho. A similaridade entre esses autores se mostra no que se refere a análise do Estado. Lenin se propõem a analisar a teoria do Estado de Marx, a fim de combater as transgressões a teoria estabelecida principalmente pelos mencheviques na Segunda Internacional.

- Pesquisar: partido de vanguarda em Lênin.

Segundo Coutinho, Lênin se contenta com a análise “restrita” do Estado de Marx de 1848-1850, pois a situação da Rússia na época de Lênin se assemelhava ao Estado prussiano de 1848, e ao tipo de revolução permanente que Marx entendida que aconteceria na Alemanha. Daí aceitar a maneira explosiva de transformação. Coutinho critica esta posição, pois afirma que a época de Lênin já conhecia a elaboração de um tipo de Estado contratual, no qual a busca do consenso desempenha papel importante.
Para Coutinho, a análise de Lênin é ainda mais restrita que a de Marx, pois realiza uma definição muito restrita da estrutura institucional do Estado: “a essência do Estado reside para ele nos seus aparelhos coercitivos e repressivos”. Definição que Lênin aplica para todos os países capitalistas, daí afirmar que a substituição para o Estado burguês só poderia ser feita de modo violento. Assim, deixa de lado observações em sentido contrário de Marx e Engels, após 1850.

DUPLO PODER E LÊNIN: Segundo Coutinho, Lênin interpretava o duplo poder na Rússia (governo provisório de um lado e sovietes do outro) do mesmo modo que Marx em 1848 (Assembleia Nacional de um lado e a Coroa do outro): como manifestação de um conflito de classes bipolarizado. E, como Marx, entende que esta dualidade de poderes se desfaz rápido.
Lênin ressalta o papel do consenso no processo de superação da dualidade de poderes: segundo Lênin os operários e camponeses, representados nos sovietes, devem ser convencidos da necessidade de derrubar o Estado (governo provisório da burguesia) e assumir o poder. Lênin afirma que o governo provisório “não pode ser derrubado imediatamente, pois se mantêm graças a um acordo direto e indireto, formal e efetivo com os sovietes (...). Para se converter em poder, os operários conscientes devem conquistar a maioria: enquanto não houver violência contra as massas, não haverá outro caminho para chegar ao poder (...) – Lênin, “Sobre a dualidade de poderes” (Coutinho, 33).
Esta parte de Lênin faz supor que ele segue a posição de Engels em 1895, quando este afirma que a violência da classe operaria só se justifica quando se apresenta como resposta, ou seja, “quando a classe dominante, rompendo o pacto sobre o qual se funda a legitimidade do Estado, tenta impedir pela força o acesso da classe operaria ao poder por vias legais e constitucionais” (Coutinho, 33). Mas, há diferenças:

·                Para Engels: a ditadura do proletariado só pode ter como forma política a república democrática, portanto a ditadura do proletariado não deve ser entendida como um tipo de regime, mas como o conteúdo social do novo Estado.
·                Para Lênin: a superação da dualidade de poderes implica a completa destruição da máquina estatal e a construção de um tipo de Estado totalmente novo. Portanto, não haveria como transfigurar formas e instituições do velho Estado, elas deveriam ser destruídas.
O sentido de consenso em Lênin: Segundo Coutinho, seria uma aceitação pelas massas camponesas e operárias, através de um processo educacional realizado pelo ‘partido de vanguarda’, da necessidade do processo violento.

NOÇÃO DE QUEBRA DO ESTADO: Segundo Coutinho, Lênin interpreta Marx a partir dos acontecimentos na Rússia, um Estado muito ‘restrito’, por isso Lênin afirma a necessidade de quebrar todas as estruturas do velho Estado. Entretanto, Coutinho afirma que não foi bem isso que Marx quis dizer, na verdade Marx, ao afirmar, sobretudo após a Comuna de Paris a necessidade de quebra do Estado (entendido, na época, como o Estado ultracentralista criado pelo absolutismo e fortalecido no período napoleônico), estaria se referindo ao aparelho burocrático e militar do Estado, “nos quais se expressa esta ultracentralização” (Coutinho, 34) – Coutinho conforma sua tese citando uma parte da Carta a Kugelman, de 1871.
Segundo Coutinho, nesse momento, Marx já parecia perceber que o Estado é muito mais do que o aparelho burocrático-militar, que envolveria também aparelhos consensuais (parlamento, etc), estruturados a partir de um pacto.

®            Crítica à Lênin: Ao contrário do que Lênin afirma, não há nada no Marx maduro que afirme a necessidade de quebra do aparelho consensual.
- Para Coutinho, “o que nela se pode constatar é a ideia de que tais aparelhos podem mudar de função (como é o caso das Assembleias eleitas por sufrágio universal) ou adquirir novas determinações (fusão de poder executivo e poder legislativo)”. (p.35) – Segundo Coutinho, isso estaria presente nos comentário de Marx a forma estatal assumida pela Comuna de Paris (livro “A guerra civil na França” 1871).
- A distinção entre o que deve ou não ser quebrado no Estado (o que já implica uma noção ampliada de Estado), não estaria presente nos escritos de Lênin. Coutinho coloca como motivo desta visão de Lênin o Estado Russo ‘restrito’, a qual se funda no exército permanente e na polícia.
- Lênin sempre fala depreciativamente da “democracia burguesa”, o que para Lênin seria um invólucro no qual se reveste o capitalismo, portanto não poderia ser formada por consenso, nem seria a forma específica da ditadura do proletariado.
Lênin realizou alterações em sua teoria, nos primeiros anos da Internacional Comunista (1919-1923)

Coutinho passa a analisar a teoria de Trotski:  CONCEPÇÃO DE TROTSKI (p.37)

1ª mudança de Trotski: Buscou generalizar a concepção de duplo poder, convertendo em uma lei geral de todos os processos revolucionários. Afirmava, diferentemente de Lênin, que a dualidade de poderes é uma condição peculiar às crises sociais, e demonstra este fato através de análise historiográfica. Mantém a DEFINIÇÃO DE DUPLO PODER DE Marx e Lênin: o fundamento social do duplo poder reside na oposição entre blocos ou classes cujos interesses últimos são radicalmente antagônicos entre si.

2ª mudança de Trotsky: tem uma visão menos ‘restrita’ da natureza do Estado, pois entende o poder do Estado como um equilíbrio dinâmico de relações de forças. Assim, o Estado não seria apenas o comitê executivo da classe dominante. Posição que depois seria desenvolvida por Poulantzas.

3ª mudança de Trotsky: esboça uma concepção do movimento revolucionário que se aproxima de forma ‘processual’. Afirma que no período pré-revolucionário o poder já deve ser tomado por parte da classe explorada, o que ele denomina de ‘mecanismo político da revolução’. Mas ele não aprofunda esta análise. Esta ideia de uma transferência gradual e progressiva do poder será melhor desenvolvida por Gramsci, para formular sua estratégia de ‘guerra de posições’.

No entanto, as mudanças de Trotsky são mais esboços, pois de modo geral ele utiliza uma visão ‘restrita’ do Estado, além de chegar a afirmar que na sociedade não reina a dualidade de poderes, pois a unidade de poder, condição para a estabilidade de qualquer regime, subsiste enquanto a classe dominante conseguir impor a sociedade inteira suas formas econômicas e políticas. Para Trotsky, longe de ser uma condição normal de funcionamento de um Estado ampliado, a dualidade de poder orienta-se para a explosão revolucionária, ou seja, esta dualidade não consegue coexistir.

VISÃO DE COUTINHO sobre o fracionamento do poder: nenhum marxista negaria em última instância, a existência de uma relativa unidade de poder do Estado. No entanto, o Estado é composto por múltiplos aparelhos, além disse é influenciado por uma mutável correlação de forças entre classes e frações de classe, por isso diferentes aparelhos poderão ser influenciados por diferentes classes ou frações de classe e a política de Estado pode refletir interesses conflitantes. “O fato de que em última instância, terminem por predominar as políticas que asseguram a reprodução da sociedade de acordo com o interesse do conjunto das classes dominantes (muitas vezes em oposição a setores ou frações de tais classes) esse fato resulta de um processo bastante complexo: a unidade relativa do poder do Estado é fruto de um movimento contraditório, cujo vetor não está estabelecido ‘a priori’” (Coutinho, 40).

- A unidade colocada por Trotsky, nas sociedades capitalistas contemporâneas, não é verificada nem na forma econômica: há formas de socialização da propriedade, como cooperativas e nacionalização, que vão contra os interesses da classe economicamente dominante. No plano político, na forma democrático-republicana de Estado podem coexistir instituições liberais, advindas das revoluções burguesas, com propósito da classe subalterna, exemplo é o sufrágio universal, os sindicatos.

PARTE DO LIVRO DE COUTINHO QUE TRATA DA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
3. A ampliação da teoria do Estado e a concepção da revolução como processo
3.1 – Grandezas e limites do austromarxismo

Crítica a Lênin: tendência de generalizar as características da Revolução de 1917 como modelo universal de transição ao socialismo. Esta generalização foi combatida pelo ‘centro’ e ‘direita’ social democrata (Kautsky e Bernstein), assim como pela ‘esquerda marxista’ com Rosa Luxemburgo. A crítica aparece também em Max Adler
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- POSIÇÃO DE ROSA E ADLER: no que diz respeito ao modo de conceber a relação entre democracia conselhista (ou soviética) e de democracia formal. “Para ambos não se trataria de ‘destruir’ as antigas instituições, como pretendia Lênin, em seu combate ao parlamentarismo, mas articula-las com as novas formas de democracia direta encarnadas nas experiências dos sovietes”. (Coutinho, 44)

- “Escola gramsciana”: proposta de integração entre organismos de democracia direta e mecanismos de democracia representativa.

- Otto Bauer: defende uma teoria ampliada de Estado e demonstra isso ao analisar a revolução austríaca de 1918, que levou ao poder uma coalização de socialistas e partidos burgueses. “Deste modo a república democrática instituiu uma situação dinâmica, onde o conteúdo social do poder do Estado aparece determinado, em última instância, pela correlação de forças estre as partes, por um conflito que – embora tenha seu palco fundamental nas esferas econômicas e sociais- repercute também no próprio seio do Estado.

- Crítica de Kelsen à Bauer: afirma que ao conceber a teoria do Estado ampliado, Bauer estaria fugindo do marxismo e se apoiando na teoria do próprio Kelsen, que apresenta o Estado democrático como um conjunto de procedimentos formais socialmente neutros (ponto defendido por Bernstein e pelo último Kautsky). Bauer refuta esta crítica, afirmando que o Estado não é neutro, pois este aparente equilíbrio é construído através do embate entre forças, sendo algo dinâmico e processual. Para Bauer, a teoria da ampliação do Estado seria a passagem do abstrato ao concreto.

- Com a passagem da análise ‘abstrata’ ao ‘concreto’, Bauer não quer defender apenas uma teoria ampliada do Estado, mas também para analisar as novas formas do sistema capitalista de seu tempo. Além da república democrática, podem existir outros contextos no qual o equilíbrio e forças entre as classes assuma também autonomia, o que torna impossível afirmar que o Estado é o “comitê executivo das classes dominantes”. Bauer cita o caso do bonapartismo e também do fascismo, que expressa a ditadura aberta do capital monopolista, mas que chegou ao poder a partir de um equilíbrio entre a burguesia e o proletariado (o que Gramsci chamou de ‘equilíbrio catastrófico’). Além do mais, os setores pequeno-burguês ocuparam diretamente o aparelho de Estado, utilizando-o para reprimir movimento de trabalhadores, mas também de frações da burguesia que estavam em conflito com o interesse do capital.

POSIÇÃO SOBRE A REVOLUÇÃO SOCIALISTA DE BAUER: ele fundamenta sua análise na teoria do último Engels, ou seja, a classe operaria deve se empenhar para obter a maioria eleitoral e assim, por caminhos institucionais elevar-se ao poder. No entanto, Bauer considera inevitável que a burguesia se levante contra esta ação dos proletariados e se manifeste de forma violenta, o que levaria a necessidade da contra violência do proletariado, assim como uma ditadura da maioria que obrigue a burguesia a aceitar a transformação socialista (Bauer afirma que tal ditadura precisa ser da maioria e de caráter transitório – o que o afasta das interpretações dos bolcheviques e também da concepção dos social-democratas). A novidade introduzida por Bauer foi a necessidade de, após a tomada do poder político, a transformação socialista deva proceder gradualmente, a fim de não desorganizar a economia.
- Crítica de Coutinho: Bauer não deixa claro como deve ser a tomada do poder: oscila entre uma visão social-democrata, como simples resultado de uma maioria eleitoral, ou como explosão violenta.
O partido socialista conseguiu maioria em Viena, transformando-a em uma espécie de modelo do socialismo. No entanto, este modelo foi duramente reprimido pela burguesia, dando origem a um regime fascista. Após este fato Bauer propõe a teoria do “socialismo integral”, uma espécie de síntese entre as ideias soviéticas e a tradição democrática do socialismo ocidental.


- Inovação de Bauer e Adler: esforço pioneiro para encontrar uma ‘terceira via’ entre o reformismo socialdemocrata (cada vez mais subalterno ao capitalismo) e o bolchevismo (cada vez mais convertido em justificativa para o despotismo stalinista)

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Pergunta para entender o lugar da força: Noção de Estado é válida para todas as sociedades? 1.       A existência de formas político-institucionais diversas 2. Feudalismo : a descentralização dos centros de poder . Funções do Estado desagregadas ao longo da cadeia hierárquica feudal . Soberania fragmentada . Direito consuetudinário e igualitário 3.       Estado absoluto: processo de concentração de diferentes poderes e centralização do poder. . Modernização jurídica: direito romano, lei passa a ter aplicação universal (exceto ao soberano) . Tributação regular e organização das finanças do Estado . Início da separação público x privado . “No Estado absolutista, o processo político deixou de ser primordialmente estruturado pela contínua e legítima tensão e colaboração entre dois centros independentes de autoridade, o governante e as cortes; agora desenvolve-se exclusivamente a partir do governante e em torno deste” (Poggi, livro: a evolução do estado moderno).

A PATRÍSTICA E A ESCOLÁSTICA

Apostila Parte 1: http://www.scribd.com/doc/71646281/Scan-Doc0040 (Livro "Fundamentos da Filosofia" digitalizado); Apostila Parte 3:  http://www.scribd.com/doc/73691190/Scan-Doc0042 (Livro "Fundamentos da Filosofia" digitalizado); Apostila Parte 2: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia . 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. REALE, G; ANTISSERI, D. História da filosofia : patrística e escolástica. v.2. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2005. 1. O PENSAMENTO CRISTÃO: A PATRÍSTICA E A ESCOLÁSTICA "Quem não se ilumina com o esplendor de todas as coisas criadas, é cego. Quem não desperta com tantos clamores, é surdo. Quem, com todas essas coisas, não se põe a louvar a Deus, é mudo. Quem, a partir de indícios tão evidentes, não volta a mente para o primeiro princípio, é tolo" (São Boaventura). A queda do Império Romano foi causada por uma série de problemas internos que fragilizaram o Império e o colocaram à disposição de invasões de outros po