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Existe um temperamento próprio de cada sexo? Resenha Sexo e Temperamento - Mead

Na introdução do livro “Sexo e Temperamento”, Margaret Mead (1901-1978) discorre sobre a construção dos valores sociais, a partir das características valorizadas e desvalorizadas nas sociedades, mostrando como estas não são fixas, variando no tempo e no espaço.
A autora procura mostrar que valores sociais conduzem os indivíduos a certos tipos de temperamento e à aceitação de padrões de comportamento. Para fortalecer seu argumento, Mead mostra como situações aparentemente desvinculadas podem, quando enraizados na cultura, assumir extraordinária força, como o caso dos Mundugumor, que acreditavam que uma criança que nasce com o cordão enrolado no pescoço tem maiores aptidões artísticas. Este caso, assim como outros, por serem muito diferentes da nossa cultura, vemos com distanciamento, considerando-os como frutos da imaginação.
Entretanto, vemos com outros olhos quando se trata das várias diferenças entre homens e mulheres, que ainda persistem em nossa sociedade, as quais se procurou vincular a fatores biológicos, mesmo que, assim como no caso dos Mundugumor, não haja nenhuma prova contundente sobre o fato.
Mead ressalta que o livro não tem como objetivo a análise da existência ou não de diferenças entre os sexos, nem tampouco é um tratado sobre os direitos das mulheres, ou sobre as bases do feminismo. O livro apresenta como três tribos se organizam a partir das diferenças sexuais, a fim de analisar a relação entre biologia e sociedade.
Antes de analisar precisamente as três tribos, a autora verifica alguns estudos feito sobre a relação biologia e sociedade, a fim de mostrar que em muitos casos, ao se analisar uma sociedade matriarcal, o que se faz é inverter a polaridade, ou seja, atribuir às mulheres as características masculinas e vice-versa, como se só fosse possível uma situação de contraste entre os dois sexos (um é forte e o outro é fraco). A autor afirma que, no decorrer do livro, se propõe analisar, a partir da tribos estudadas, se sempre a mulher de natureza dominante é considerada masculina e o homem em posição dócil e submisso é considerado feminino.
Mead estuda três tribos da Nova Guiné, comparando-as com a sociedade ocidental patriarcal, em que os homens são considerados mais agressivos e as mulheres mais carinhosas, diferenciação que é atribuída à biologia de cada sexo. Mead constatou que o ideal Arapesh é o homem dócil e suscetível, casado com uma mulher dócil e suscetível, o ideal Mundugumor é o homem violento e agressivo, casado com uma mulher também violenta e agressiva. Portanto, nestes dois casos não há uma oposição entre os sexos. Já entre os Tchambuli, é a mulher o parceiro dirigente, dominador e impessoal, e o homem a pessoa menos responsável e emocionalmente dependente.
Entre os índios da tribo arapesh, as crianças são desencorajadas a ter comportamento agressivo, sendo que a guarda e a responsabilidade familiar são compartilhadas pelos pais, numa relação saudável, cordial e confiante. Contrariamente ao povo aparesh, os índios mundugumors apresentam hábitos de canibalismo e caçadores de cabeça. Composta de uma população de mil indivíduos aproximadamente, apresentam traços de agressividade em sua cultura, são competitivos, viris e determinados.
A autora afirma que entre os Arapesh e os Mundugumor existe alguns pontos de separação entre o que é atividade mais propicia para mulher e para homem, no entanto, estas tribos não possuem uma visão de que os traços comportamentais, como coragem, agressividade, estão associados a um sexo, em oposição ao outro, ou seja, não há um temperamento ligado ao sexo natural.
Diferentemente dos Mundugumor e dos Arapech, existe na sociedade Tchambuli, uma rígida divisão social do trabalho, caracterizado pelo papel de gênero. Enquanto as mulheres pescam, cozinham e tecem mosquiteiros, o homem é responsável pela dança. Entre os Tchambuli, impera o matriarcado - onde a mulher exerce um papel central - é ela quem toma as decisões e organiza as economias, além de sustentar a casa e ter o poder de compra com os povos de outras tribos.
Portanto, Mead expõe argumentos poderosos para reforçar a tese de que é a cultura que molda o comportamento das pessoas em sociedade. Já que as diferenças entre o comportamento de homens e mulheres não são naturais, mas sim socialmente construídas. A cultura atua selecionando formas desejáveis de temperamento, as quais são inseridas ao longo da vida do indivíduo, até o ponto que se tornam aparentemente naturais.
A antropóloga escreve, notadamente, como conclusão: “Se aquelas atitudes temperamentais que tradicionalmente reputamos femininas – tais como passividade, suscetibilidade e disposição de acalentar crianças – podem tão facilmente ser erigidas como padrão masculino numa tribo, e na outra ser prescritas para a maioria das mulheres, assim como para a maioria dos homens, não nos resta mais a menor base para considerar tais aspectos de comportamento como ligados ao sexo. E esta conclusão torna-se ainda mais forte quando observamos a verdadeira inversão entre os Tchambuli, da posição de dominância dos dois sexos, a despeito da existência de instituições patrilineares formais” (p.268). 

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