Poulantzas
analisa a gênese do Estado capitalista, quais são suas características próprias
e como ele se afasta do seu antecessor, o Estado absolutista legitimado pela
vontade divina. O primeiro ponto que o autor afirma é a ausência da
determinação de sujeitos enquanto agentes de produção, ou seja, o povo é
erigido como o princípio de determinação do Estado enquanto massa de indivíduos
e não de sujeitos, no sentido daquele que age e transforma. Neste sentido, o
que realmente fundamenta o Estado capitalista não é a ação popular, mas o
caráter normativo, que institui a liberdade e a igualdade enquanto parâmetros
legais e não sociais.
O
autor entende o Estado capitalista como Estado de direito que compreende: a) uma
estrutura jurídica: o direito burguês, que produz efeito de isolamento
(direitos individuais que separam os indivíduos e que condiz com a lógica do
sistema fabril). A
superestrutura jurídica política do modo de produção capitalista teria como
características o sufrágio universal, a representatividade parlamentar, a
soberania popular, convertendo-o no reino das leis; b) uma estrutura política:
o burocratismo, que produz o efeito de representação da unidade. O burocratismo
transforma os membros individualizados em outros coletivos, o povo-nação (onde
a classe não está presente), como conjunto de cidadãos. O burocratismo é
entendido como ideologia específica da burocracia, ou seja, o burocratismo como
o conjunto de regras que rege o funcionamento da burocracia, por isso uma
ideologia.
Portanto,
o Estado passa a ser visto como um corpo burocrático que, aparentemente, se
encarregaria de representar os interesses gerais de toda a sociedade, mas na
verdade seria o resultado de um longo e complexo processo de alienação, vez que
o Estado capitalista desorganiza os dominados e organiza os dominantes.
Poulantzas
incorpora à sua análise o conceito de hegemonia de Gramsci[1], isto é, a capacidade que
as classes dominantes possuem, no capitalismo, de fazer com que as camadas
subalternas (o operariado principalmente), assumam como seus valores e crenças aquelas
advindas da burguesia, sendo este um conceito central para o exame que
Poulantzas realiza sobre a função de unidade política exercida pelo Estado
capitalista. Entretanto, diferentemente do marxista italiano, Poulantzas
concentra maior atenção no funcionamento do Estado capitalista, do que à sociedade
civil[2].
No
decorrer dos capítulos, Poulantzas nitidamente vai rechaçar a ideia de que o
Estado seria uma entidade de direito exclusivo, ou seja, um instrumento a
serviço da arbitrariedade de uma única classe e passa a evidenciar as
contradições constitutivas que perpassam as relações de forças. O Estado organiza
e unifica as classes dominantes, levando a constituição de um bloco de poder.
Essa unificação, porém, não exclui a hegemonia de uma fração de classe sobre os
outros.
O
Estado capitalista, para o autor, se fundamenta pelas contradições intrínsecas
às tensas relações de classes que são “refuncionalizadas” para o
estabelecimento da hegemonia. Deste modo, apesar do Estado servir para
organizar as classes dominantes e para desorganizar as classes dominadas este
pode, por meio de contestações organizadas e recorrentes das classes
subordinadas, ser disfuncional aos interesses intransigentes da burguesia.
Portanto, a tese de Poulantzas é que todo Estado capitalista é bonapartista – a autonomia faz parte
do Estado capitalista, ele não pode ser identificar à apenas uma classe, o que
o autor denomina de “autonomia relativa”.
Neste contexto, a burocracia profissional,
entendida como separada dos demais grupos dominantes, formando uma camada
profissional, não deve ser confundida com a classe dominante e, no curso prazo tal
burocracia profissional pode tomar decisões que vão ao encontro da classe
dominante. Por isso, é preciso distinguir o poder de Estado do poder de classe (que
se relaciona ao conceito de bloco no poder)[3].
Por outro lado, é preciso ressaltar que, a
autonomia relativa auxilia a própria burguesia, vez que, sendo a burguesia
dividida em frações, ela seria incapaz de garantir uma estratégia coerente de desenvolvimento
capitalista por si só. Daí a autonomia relativa que a burocracia de Estado
detém frente a classe capitalista, separada de seus conflitos permite a criação
de estratégias coerentes para a burguesia. É a autonomia relativa de longo e
médio prazo que permite organizar os interesses da classe burguesa, afinal a
burocracia tem interesses corporativos que coincide com o da burguesia, como a estabilidade
do sistema, o afastamento de crises, por exemplo.
Um outro ponto que é preciso sublinhar é que,
segundo Poulantzas, o Estado capitalista não é deslocado do econômico, mas
possui uma autonomia frente a ele (porque o político intervém no econômico,
assim como o ideológico e o jurídico). Portanto, o autor vai recusar o
reducionismo econômico, onde os níveis políticos e ideológicos são reflexos
unicamente dos acontecimentos das relações econômicas existentes. Assume uma
posição contrária e garante a manutenção do materialismo marxista conferindo
aos níveis superestruturais determinações próprias e autônomas, porém,
determinadas em última instância pela infraestrutura econômica. Em outras
palavras, vincula a autonomia relativa dos níveis superestruturais à
determinação, em última instância, da base econômica da sociedade.
Podemos então afirmar que as duas funções
estruturais mais importantes desempenhadas pelo Estado capitalista segundo
Poulantzas, consiste na unidade política e na autonomia relativa. A primeira
consiste no fato do Estado ser capaz de unificar, no âmbito político-burocrático,
burgueses e operários que, na esfera econômica das relações sociais de
produção, encontram-se dissociados. A segunda consiste na independência que o
aludido Estado possui em relação ao bloco burguês no poder, e que é essencial à
manutenção da hegemonia burguesa na sociedade capitalista, posto que, quando a
hegemonia está ameaçada, o Estado capitalista faz concessões às classes
subalternas, neutralizando seu potencial revolucionário e assegurando, desta
maneira, a sobrevivência da hegemonia burguesa no capitalismo.
Portanto, o Estado moderno (ou capitalista) para
Poulantzas é visto como um conjunto de relações de forças, fluido e permeável
às contradições da sociedade, que pode ser entendido como uma arena de lutas na
qual não há um detentor exclusivo de seu poder, mas sim blocos de poder que
buscam nas instituições estatais burocráticas a afirmação de seus direitos.
[1] A hegemonia para Gramnsci é
alcançada na relação entre força e consenso, mas esta é uma relação dialética e
não de hierarquizada. O conceito de hegemonia não significa a maioria, a
hegemonia implica partilhar um projeto. Tal projeto é hegemônico porque os
temas propostos são aceitos, faz sentido na sociedade. Na Sociedade Civil cada grupo
procura o consenso com o objetivo de difundir em toda a sociedade a ideologia
da classe dirigente, realizando assim sua hegemonia
[2]
A Sociedade Civil, segundo
Gramsci, é constituída por grupos civis e agrupamentos ditos privados, como os
Sindicatos, ONGs, Associações Comunitárias e outras entidades com essas
características. Já a Sociedade Política tem como papel principal garantir a
ideologia da estrutura, da classe dirigente, através da coesão. Com isso tem o
objetivo de conformar os conflitos existentes contra os aparelhos do estado
como a Polícia, as leis, decretos, poder judiciário, etc.
[3] Há
um interessante debate entre Poulantzas e Miliband sobre o conceito de blocos
de poder, e como o conceito de elite se insere neste contexto (MILIBAND, Ralph.
Poulantzas e o Estado Capitalista. Crítica marxista, n.27, 2008, p.93-104) Bibliografia: Nicos Poulantzas, Poder político e
classes sociais. Porto: Portucalense Editora. 1971. Volume I. Parte II
“O Estado capitalista”, Capítulo 1 “O problema”. PP. 131-155.
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