A
pesquisa coordenada por Isabela Kalil[1]
agrupou 16 tipos de apoiadores, eleitores e potenciais eleitores de Jair
Bolsonaro, de acordo com marcadores de classe social, raça/etnia, identidade de
gênero, religião, formas de engajamento e crenças. A pesquisa antropológica foi
realizada a partir da experiência de levantamento de dados etnográficos nos
protestos e várias manifestações que se seguiram de 2016 até o ano de 2018, na
cidade de São Paulo. O primeiro levantamento de dados foi realizado no
acampamento da FIESP, em São Paulo, no ano de 2016 e outras manifestações em
apoio ao impeachment de Dilma Rousseff. O último levantamento foi realizado
durante o primeiro turno das eleições presidenciais, em outubro de 2018. Foram
consideradas diversas manifestações públicas tanto do campo progressista quanto
do campo conservador na capital paulista[2].
Ao todo, foram ouvidas pouco mais de 1000 pessoas, entre 2016 e 2018. A
pesquisa considerou também o acompanhamento de grupos e movimentos nas redes
sociais. O projeto utilizou quatro metodologias distintas, a saber: a)
manifestações ou eventos públicos de curta duração em que foram realizadas a observação
de campo e um número mais reduzido de entrevistas, podendo ser estas mais
curtas ou em profundidade; b) a observação de campo e a realização de
entrevistas em profundidade durante quatro meses na ocupação do Acampamento
Patriótico de Resistência Paulista, em frente à FIESP (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo), na Avenida Paulista, durante o processo de
impeachment; c) observação de campo, entrevistas em profundidade e pesquisa
quantitativa tipo survey no Ato de repúdio a Judith Butler, denominado católicos
e evangélicos contra a ideologia de gênero, no final de 2017; d)
acompanhamento dos eventos nas redes sociais, análise do conteúdo produzido por
seus organizadores e veiculados na internet, interação e participação de grupos
de WhatsApp; e) observação das
manifestações e eventos durante as eleições de 2018.
Para
analisar os eleitores de Bolsonaro, a pesquisa criou tipificações, que consiste
em tratar de forma abstrata as diferentes dimensões mobilizadas na escolha do
voto, e como estas dimensões podem estar ou não sobrepostas. O objetivo central
consistiu em construir modelos para pensar os eleitores de modo a ter uma
melhor compreensão, identificar e hierarquizar diferentes dimensões mobilizadas
na escolha do voto. A análise dos dados expôs uma multiplicidade no padrão de
eleitores, tipificados em 16 perfis[3],
além de revelar que a estratégia de comunicação do candidato Jair Bolsonaro,
até a realização do primeiro turno eleitoral, tinha como base segmentar as
informações para os diferentes perfis de potenciais eleitores. Ao segmentar o
direcionamento de suas mensagens para grupos específicos, a figura do “mito” –
como era chamado por seus eleitores – consegue assumir diferentes formas, a
partir das aspirações de seus apoiadores. Daí, as incoerências no discurso de
Bolsonaro, pois ao não assumir uma postura única, consegue agregar no discurso
os diferentes segmentos do eleitorado, por isso, é lícito afirmar que não
existe o “eleitorado de Bolsonaro” como a caracterização de um grupo social
específico. Mesmo que no início da campanha, entre quatro potenciais eleitores,
três eram homens e 60% eram jovens (entre 16 e 34 anos), este cenário englobou
outros grupos, como mulheres, pessoas menos escolarizadas, homossexuais, mesmo
que se tenha mantido a maioria do eleitorado masculino, escolarizado e com
maior renda. Por isso, há diversos enquadramentos que foram trabalhados na
campanha de Bolsonaro, como o tema da “corrupção” que envolve tanto o sentido
financeiro quanto moral, e por isso guarda relações com a noção de “cidadão de
bem”. Assim o PT ou o comunismo são vistos tanto como o centro da corrução
financeira do Brasil (tema que mobiliza a classe que se sente prejudicada
financeiramente), como os propagadores da corrupção moral (contra a família, o
kit gay, temas que mobilizam a parcela da população que não tema como
preocupação central a política partidária, mas a educação de seus filhos).
A pesquisa estabelece também algumas
correlações com a campanha de Donald Trump, nos Estados Unidos, tanto no que
diz respeito às alusões do candidato brasileiro ao presidente americano, quanto
pelo fato da família Bolsonaro ter estabelecido uma proximidade com assessores
da campanha de Trump, como o caso de Steve Bannon, fato amplamente divulgado
por um dos filhos do candidato, Eduardo Bolsonaro. Neste caso, a pesquisa
defende a tese de que o candidato brasileiro tem seguido uma estratégia de comunicação
muito similar ao presidente americano, especialmente por segmentar sua campanha
em diferentes perfis de eleitores usando técnicas de microtargeting e profiling[4].
Portanto, uma das questões ressaltadas na pesquisa é a necessidade de
compreender a direita brasileira em suas conexões com movimentos como a
alternative-right nos Estados Unidos, especialmente em relação aos modelos de
masculinidades em circulação.
A
pesquisa coordenada por Kalil trata, portanto, da segmentação da informação no
processo eleitoral de 2018, sem tratar diretamente qual a real pauta por trás
das múltiplas facetas do bolsonarismo. Afinal, este não parece ser o objetivo
da pesquisa, que se preocupa mais com a questão do microtargeting, entendido
como uma nova maneira de governar as condutas, movido pela busca de
objetividade, eficiência e segurança, que “repousa sobre a coleta, agregação
e análise automatizada de dados em quantidade massiva, de modo a modelizar,
antecipar e afetar, por antecipação, os comportamentos possíveis” (ROUVROY,
2015 p.42[5]).
Neste contexto, os dados dos agentes são colhidos e relacionados de acordo
com o interesse em jogo (campo eleitoral, por exemplo), e depois esta fração
dos dados digitais, do chamado “eu digital”, é correlacionada, a partir da
elaboração do perfil[6],
o que torna possível a configuração de hipóteses sobre o quanto determinada
pessoa seria mais inclinada ou não a votar em certo candidato e qual a
possibilidade de se alterar este comportamento. Por exemplo, na análise
realizada por Kalil, ao categoriza, ela se refere apenas a certas
características em comum destes agentes, afastado de toda a particularidade
individual, o que permite uma certa segmentação, a qual pode ser aprimorada
quando se dispõem de um número maior de dados (Big Data[7]),
permitindo até mesmo prever comportamentos futuros (caso da Cambridge Analytica[8]),
trazendo consequências para os campos social, político e econômico.
[1] QUEM SÃO E NO QUE ACREDITAM OS
ELEITORES DE JAIR BOLSONARO. Coordenação: Isabela Oliveira Kalil (demais
pesquisadores: Colaboraram para a elaboração dos perfis Álex Kalil, Felipe
Paludetti, Gabriela Melo, Weslei Pinheiro e Wiverson Azarias
[2]
Entre os atos analisados
estão: atos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, atos de apoio à
Operação Lava-Jato, manifestações de apoio ao juiz Sérgio Moro, manifestações contra o STF, marchas contra a ONU, marchas contra as drogas, marchas pela família, manifestações contra o aborto, carreatas em apoio a Bolsonaro, atos contra corrupção, manifestações pela prisão de Lula, marcha pelo PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), atos contra as manifestações de mulheres e feministas, apoio à greve dos caminhoneiros, eventos de lançamento de candidaturas de deputados estaduais, deputados federais e governador, entre outros pequenos eventos.
Operação Lava-Jato, manifestações de apoio ao juiz Sérgio Moro, manifestações contra o STF, marchas contra a ONU, marchas contra as drogas, marchas pela família, manifestações contra o aborto, carreatas em apoio a Bolsonaro, atos contra corrupção, manifestações pela prisão de Lula, marcha pelo PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), atos contra as manifestações de mulheres e feministas, apoio à greve dos caminhoneiros, eventos de lançamento de candidaturas de deputados estaduais, deputados federais e governador, entre outros pequenos eventos.
[3] Entre os 16 perfis analisados,
estão as “pessoas de bem”, nerds conservadores, militares,
" bolsogatas", os da masculinidade viril, Homossexuais
conservadores, líderes religiosos, periféricos de direita, monarquistas,
mães de direita, isentos, entre outros.
[4] A pesquisa ressalta que as
comparações entre as eleições de Trump e Bolsonaro devem considerar as próprias
especificidades dos sistemas eleitorais entre os dois países, além das
diferenças entre os candidatos e os contextos locais.
[5] ROUVROY, A.
& Berns, T. ‘Gouvernementalité algorithmique et perspectives
d’émancipation’, Réseaux, no 177, 2013, 163-196.
[6] É preciso ressaltar que, no campo
digital, os perfis não têm como referente nenhum agente individual, pois são
formados a partir de dados massivos, muitas vezes incoerentes, correlacionados
por técnicas estatísticas, portanto, os perfis são associados a identidades
virtuais e não a agentes.
[7] Núvem de dados on-line repleta de
vestígios digitais que podem ser rastreados, medidos, quantificados, analisados
e mensurados.
[8] A Cambridge
Analytica contava uma extensa lista de clientes do mundo político e fazia parte
de um conglomerado denominado Strategic Communication Laboratories. Sua
grande inovação seria a segmentação do público através de aferições
psicométricas, que permitiria a mensuração de traços psicológicos[8], através
da análise de grandes quantidades de dados obtidos pelas redes sociais. É acusada
de ter influenciado as eleições dos EUA em 2016 e o votação sobre o Brexit.
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