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Quais as origens estruturais dos problemas econômicos brasileiros?



Thatiane Moreira

Caio Prado Júnior e Moraes discorrem sobre a importância dos fatores estruturais, advindos da herança histórica-espacial, na formação política, econômica e social brasileira. De modo que os fatores conjunturais só podem ser entendidos a partir de uma análise histórica de formação da estrutura. Isso não significa um determinismo histórico, ou seja, porque certa nação teve tal processo de formação estaria fadada a ter um tal desenvolvimento, mas possibilita entender os impasses estruturais que a assolam[1].
Caio Prado chamou de “linha mestra” (p.17) ao conjunto de fatores e acontecimentos essenciais que se constituem em um largo período de tempo, os quais possibilitam o entendimento sobre a base estrutural na qual uma sociedade se assenta. Assim, entender os motivos e interesses que moldaram o tipo de colonização no Brasil e como esta colonização se desenvolveu é essencial para entender a estrutura política, econômica e social brasileira.
Mesmo que o ponto inicial do livro seja a análise da chegada da família real ao Brasil, em 1808, época que condensa em si as características de trezentos anos de colonização e as bases de formação de uma identidade nacional brasileira, o autor inicia com o processo de colonização da América, o qual originou-se com as viagens marítimas, principalmente de portugueses e espanhóis, que objetivavam encontrar uma passagem para o pacífico, a fim de chegar à Índia, zona central do comércio na época. Toda a empreitada marítima tinha um viés comercial, por isso, a América constituiu-se, a princípio, como um obstáculo à realização dos planos ibéricos.
No início do processo de colonização não havia a ideia de povoar, vez que o foco estava no comércio, o qual se encontrava no Oriente e não no Ocidente, em terras selvagens. Entretanto, um certo povoamento se fez necessário para abastecer e manter a feitoria, além de organizar os gêneros que interessava ao comércio. Portanto, a base de formação da sociedade brasileira é oriunda de necessidades comerciais[2], ou seja, não diz respeito à produção, mas a circulação de mercadorias.
O novo sistema de colonização restringiu-se, inicialmente, ao extrativismo, como foi o caso do pau-Brasil, o que depois seria substituído gradualmente pela agricultura. Não obstante, o processo de colonização do território americano não foi uniforme[3], uma característica que marcou a diferença na forma de colonização diz respeito à temperatura, distribuída entre zonas temperadas, tropical e subtropical.
 A forma de colonização que ocorreu nas regiões temperadas não teve por base o comércio, pois os colonos destas regiões, em sua maioria, foram para a américa fugindo de problemas e/ou perseguições político religiosas e, por isso, almejavam construir um novo mundo, uma sociedade que lhes oferecesse garantias (p.21). Assim, nasce uma sociedade com características similares a de origem dos colonos, ou seja, à sociedade europeia.
Já nas áreas tropicais e subtropicais, a diferença climática afastou os colonos europeus, que vieram não como trabalhadores, mas como dirigentes de grandes unidades produtoras, abastecidos por mão de obra escrava (plantation).
Deste modo, nas zonas temperadas se desenvolveram colônias de povoamento, já nas zonas subtropicais e tropicais operou um caráter fortemente mercantil, denominada por Prado Júnior como “a empresa do colono branco” (p.21): produção de gênero de grande valor comercial para fins externos e exploração de mão de obra do provo dominado[4]. É este o sentido da colonização da qual o Brasil faz parte, a sociedade e a economia brasileira se constituíram com olhos para fora, para o exterior, não priorizando os objetivos internos, tendo como fundamento do trabalho a exploração do povo dominado.
Moraes por sua vez analisa a estrutura social e econômica brasileira como decorrência de fatores espaciais, mais precisamente a questão de fronteira. Segundo o autor, a delimitação das fronteiras é essencial para a forma moderna de organização política das sociedades. O Estado moderno, para se constituir enquanto tal necessita da formação das identidades nacionais, que por sua vez diz respeito à ideia de cidadão, como aquele que habita em determinado local delimitado, tendo seus interesses representados a partir do conceito de nação, que traz consigo a noção de pertencimento.
Nos países de formação colonial, cuja história é geralmente permeada por processo de subordinação, as argumentações geográficas são elevadas ao ponto central dos discursos que afirmam o Estado nacional. De modo que o território vai ser o elemento básico de identidade, sobre o qual, em muitos casos, vão apoiar-se os movimentos de emancipação e de afirmação da unidade política. E, a primazia do território no constructo da ideia de nação deve-se também a impossibilidade de se criar uma identidade totalizante, vez que o conjunto da população se caracteriza pela exclusão e fragmentação, dividida pela qualificação e distribuição de direitos políticos, como ocorre, por exemplo, com a dualidade escravo e não escravo (livres).
As relações escravistas, segundo Moraes, permeiam a estrutura social como um todo. De modo que, todas as relações entre a população não escrava são marcadas pela presença da escravidão, que induz nesse segmento a geração de laços de identidade por diferenciação. Isto é, os indivíduos reconhecendo- se como iguais na oposição à condição de escravo, de onde emerge o compadrio, que vai gerar uma rede de clientela, dentre as quais se encontra a figura do coronel ou do caudilho. Formando, assim, o Estado patrimonial, que embaralhava interesses públicos e privados na gestão estatal (p.82)[5].
Deste pacto conservador, formador do Estado patrimonial, advém as características de um país novo chamado Brasil, frágil no plano interno e dependente no plano externo, dada a forma excludente da divisão internacional do trabalho. Um país desigual formado a partir da chave explorado e exploradores, que dada a impossibilidade de se criar uma unidade nacional tendo por base a ideia de representação e igualdade, tem seu Estado legitimado a partir da soberania sobre os fundos territoriais de seu espaço e por meta sua ocupação. Nesse quadro, a questão da construção das fronteiras adquire importância ímpar, pois incide no cerne das argumentações legitimadoras da identidade nacional, como ocorre com a figura dos bandeirantes. O território se configura assim como uma unidade físico ideológica[6].
Observa-se que, tanto para Moraes quanto para Prado Júnior a produção do espaço e a herança histórica possuem uma relação intrínseca com a germinação da nacionalidade. Esclarecê-los, explicando suas efetivas inter determinações, aparece então como básico para explicar a particularidade da história política, social e econômica brasileira.

Referência: 
PRADO JÚNIOR (1942). Formação do Brasil contemporâneo: colônia. SP: Cia das Letras, 2011, p.7-29 (Introdução e Sentido da colonização).
MORAES (2005). Território e história no Brasil. SP: Annablume, 2005, Cap. V “O estado territorial no contexto periférico”, p.75-87.





[1] É interessante notar que os autores analisam o desenvolvimento brasileiro sempre em oposição a algo, uma relação dialética e, como tal, não hierarquizante, para não cair no erro de analisar o Brasil como o não-europeu ou o não-colonia de povoamento.
[2] Caio Prado segue uma linha marxista, no entanto, não tem como base o modo de produção, um dos pontos centrais da análise econômica marxista, mas sim a estrutura comercial, vez que no caso do Brasil o estudo da esfera da distribuição que explica a totalidade.
[3] Cenário diferente aparece nas colônias espanholas, dados a riqueza encontrada em metais preciosos, fazendo com que a colonização tome rumos diverso daquele observado nas outras áreas.
[4] É importante ressaltar que, segundo Prado Júnior, a colonização não se restringiu a ser uma empresa do colono branco, pois aos poucos criou-se uma sociedade com características nacionais orgânicas e que permanece no tempo.
[5] Também é preciso ressaltar as limitações internas, advindas da inserção do novo país na divisão internacional do trabalho. Cabe lembrar que a periferia não é um estágio, ou um momento no processo de desenvolvimento do capitalismo, e sim uma função na estrutura de seu funcionamento.
[6] Em várias manifestações de rua ocorridas no Brasil atual apareceu o slogan “o gigante acordou”, mostrando como o sentido de identidade nacional passada pela questão territorial.

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