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OS FILÓSOFOS PÓS-MODERNOS E CRÍTICA AO PROJETO DE MODERNIDADE



OS FILÓSOFOS PÓS-MODERNOS E CRÍTICA AO PROJETO DE MODERNIDADE

FILOSOFIA PÓS-MODERNA: a pluralidade dos caminhos e das culturas
O termo pós-moderno se aplica a um grupo de intelectuais, entre eles alguns filósofos que têm como ponto comum a crítica ao projeto da modernidade, entendido como o projeto de emancipação humano-social através do desenvolvimento da razão.
Esses pensadores partem da constatação dos desastres sociais e ambientais aos quais a sociedade contemporânea chegou: miséria, desigualdades sociais extremas, catástrofes ambientais, guerras, dominação dos países economicamente desenvolvidos sobre os demais e a situação de barbárie que se verifica em algumas regiões do planeta.
Essa corrente de pensadores identifica, como fizeram Adorno e Horkheimer, o fenômeno da assimilação dos indivíduos ao sistema, isto é, sua absorção pelo capitalismo, um fenômeno totalitário que se dá pela narcotização das consciência por intermédio da indústria cultural, conforme vimos anteriormente, e que alcança todos os setores da vida social.
Essa tendência se fortaleceu na segunda metade do século XX, após os sinais de degeneração das experiências socialistas, o chamado socialismo autoritário. Com a falência do socialismo como modelo alternativo ao sistema capitalista, o mundo teria se curvado à onipotência do status quo, sem qualquer perspectiva de transformação.
De forma geral, esse é o quadro herdado pelos filósofos da pós-modernidade. Assim, o termo pós-moderno designa o fim do projeto da modernidade, ou seja, a desesperança historicamente constatada de que a razão técnico-científica favoreça a emancipação humana.
Sem essa perspectiva de uma transformação social radical, a filosofia pós-moderna passou a analisar os diversos aspectos da vida social, principalmente aqueles em que se verifica maior racionalização rumo ao controle dos indivíduos, denunciando as formas de opressão que os acompanham em sua vida cotidiana.
Essa denúncia é feita de forma fragmentária, isto é, aborda aspectos variados e singulares do cotidiano e não se estrutura numa visão de conjunto, uma vez que a filosofia pós-moderna abandonou a pretensão de totalidade que orientava o pensamento moderno.
Podemos dizer, portanto, que os filósofos pós-modernos desenvolvem uma visão fragmentada da vida cotidiana e dos indivíduos também fragmentados. Uma visão preocupada em captar as singularidades, as particularidades e as diversidades do real. Seu mérito seria a valorização das pluralidades culturais, pelo respeito à diferença do outro.
Um traço que está presente em filósofos pós-modernos é a debilitação das esperanças – que um dia dominaram o mundo moderno – de compreensão e de transformação conjunta da vida social. Diante das frustrações históricas, restou a sensação de que chegamos a um ponto em que o controle da economia global está fora de nosso alcance e, diante disso, os grandes projetos emancipatórios, como o do socialismo marxista, perderam o sentido que um dia tiveram para orientar as iniciativas coletivas.
Entre os pensadores pós-modernos mais significativos estão os franceses Michel Foucault, Jean Baudrillard, Jacques Derrida, que estudaremos em seguida, além de Jean-François Lyotard (1924-1998).

1. Foucault: a microfísica do poder
De homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco (Foucault)
Segundo Michel Foucault (1926-1984), as sociedades modernas apresentaram uma nova organização do poder que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa nova organização, o poder não se concentra apenas no setor político e nas suas formas de repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social. Para Foucault, o poder se fragmentou em micropoderes e se tornou muito mais eficaz.
Assim, em vez de se deter apenas no macropoder concentrado no Estado, Foucault analisou esses micropoderes que se espalham pelas mais diversas instituições da vida social. Isto é, os poderes exercidos por uma rede imensa de pessoas que interiorizam e cumprem as normas estabelecidas pela disciplina social. Exemplo: os pais, os porteiros, os enfermeiros, os professores, as secretárias, os guardas, os fiscais etc.
Adotando essa perspectiva de análise, conhecida como microfísica do poder, Foucault afirma que “o poder está em toda parte, não porque englobe tudo” e sim “porque provém de todos os lugares”.
Na vida cotidiana, segundo o filósofo, esbarramos mais com os guardiões dos micropoderes – os pequenos donos dos poderes periféricos – do que com os detentores dos macropoderes. Em seu livro Microfísica do poder, Foucault explica: por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre o outro, mas as múltiplas formas de dominação que se podem exercer na sociedade.
O objetivo de Foucault, como filósofo, foi o de colocar à mostra estruturas veladas de poder, tendo por inspiração Nietzsche. Tanto quanto esse filósofo, Foucault afirmou a relação entre saber e poder. Em suas palavras: vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha ‘ao compasso da verdade’ – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm, por esse motivo, poderes específicos.

Genealogia do poder
Foucault também desenvolveu seu método de pesquisa à maneira de uma genealogia, como o fez Nietzsche. Semelhante ao filósofo alemão, adota como ponto de partida a noção de que os valores – o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o certo e o errado, o sadio e o doente etc. – são consagrados historicamente em função de interesses relativos ao poder dentro da sociedade. Em outras palavras, a definição do que é bom, do que é verdade, do que é sadio depende das instituições nas quais o poder se encontra.
E, no entendimento de Foucault, esse poder não seria essencialmente um poder de repressão ou de censura, mas sim um poder criador, no sentido de que produz a realidade e seus conceitos. Em seu livro Vigiar e punir, uma genealogia do poder, ele explica esse seu entendimento do que é poder: é preciso cessar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “discrimina”, “mascara”, “esconde”. Na verdade, o poder produz: produz o real; produz os domínios de objetos e os rituais de verdade.
Nesse mesmo livro, Foucault acompanha a evolução dos mecanismos de controle social e punição, que se tornaram cada vez menos visíveis e racionalizados. Ele caracteriza a sociedade contemporânea como uma sociedade disciplinar, na qual prevalece a produção de práticas disciplinares de vigilância e controles constantes, que se estendem a todos os âmbitos da vida dos indivíduos.
Um exemplo disso seria o tratamento científico dado à sexualidade, no qual o comportamento sexual é normatizado por meio do convencimento racional dos indivíduos sobre os cuidados necessários á vida sexual. Desse modo, assumindo a face do saber, o poder, segundo Foucault, atinge os indivíduos em seu corpo, em seu comportamento e em seus sentimentos.
Assim, como o poder se encontra em múltiplos espaços, a resistência a esse estado de coisas não caberia, segundo o filósofo, a um partido ou uma classe revolucionária, pois estes se dirigiriam a um único foco de poder. Seria necessária, portanto, a ação de múltiplos pontos de resistência



3. Jean-François Lyotard: o fim das Metanarrativas

Um exemplo de metanarrativa é a filosofia iluminista, que acreditava que a razão e seus produtos - o progresso científico e a tecnologia - levariam o homem à felicidade, emancipando a humanidade dos dogmas, mitos e superstições dos povos primitivos.
O marxismo é outro exemplo de metanarrativa. Para os marxistas, a história era impulsionada pelo confronto entre duas classes contraditórias, a burguesia e o proletariado, que resultaria, ao fim da revolução do proletariado, numa sociedade sem classes, de plena liberdade e igualdade: o comunismo.
A história, porém, mostrou que, na prática, tais teorias não funcionaram conforme o previsto. Ao mesmo tempo em que a razão e a ciência melhoraram as condições de vida das pessoas, promovendo a cura para as doenças e a alfabetização em larga escala, também deram ao homem o poder de produzir armas de destruição em massa, como a bomba atômica lançada em Hiroshima em 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, além de provocar mudanças climáticas causadas pela poluição nas grandes cidades, e que hoje ameaçam a sobrevivência da espécie humana.
O marxismo, por sua vez, quando confrontado com a realidade, ao invés do prometido "paraíso na terra", trouxe regimes totalitários para países como Rússia, China e Cuba, cujo povo sofreu - em alguns casos, sofre até hoje - com restrições às liberdades civis e violações dos direitos humanos (que não são exclusivas de países comunistas, como demonstra a história recente dos EUA e mesmo do Brasil). Por esta razão, criou-se um clima de desconfiança em relação a qualquer discurso que proponha formar consensos universais, ou seja, projetos coletivos que visem "mudar o mundo". Cria-se, assim, um ambiente para o pós-modernismo [...].
Se as grandes narrativas que mobilizaram a humanidade foram abandonadas, surge, entre outros problemas, o de como justificar o saber na sociedade contemporânea. Por "saber", Lyotard entende um conjunto de conhecimentos que autoriza a determinada pessoa (cientista, juiz, filósofo, artista, etc.) emitir juízos de verdade, moral e estética, isto é, dizer que isto é certo ou errado, bom ou mal, feio ou bonito.
A questão é que não há mais um acordo em comum sobre esses valores. Ou, nas palavras do filósofo francês, não há mais uma metanarrativa que torne os discursos aceitos por todas as culturas. Para a civilização ocidental, fundada em ideais como a democracia, a liberdade e os direitos individuais, esse relativismo representa um sério risco.
Mas Lyotard também não aceita uma continuidade do projeto de modernidade que se assente sobre o diálogo livre de coerções, como quer Habermas, pois vê nisso um retorno à metanarrativa iluminista (ver o texto “Habermas, Apel e a ética da linguagem”) O que fazer?
Lyotard baseia-se no conceito de jogos de linguagem, de Wittgenstein (ver o artigo “ Filosofia pós-moderna – Heidegger e Wittgenstein” ) para afirmar que a legitimação dos saberes só pode ser local e contextual. Assim como a linguagem só adquire sentido quando usada, isto é, quando se torna um "lance" em um jogo específico, os saberes também, para Lyotard, são justificados por consensos provisórios e parciais.
Este problema de legitimação apareceu, por exemplo, no recente debate ético a respeito do uso de células-tronco embrionárias pela ciência. Para o Iluminismo, bastava seguir a razão, não a fé religiosa, que estaríamos agindo da maneira correta. Como fica quando a ciência não tem mais um meta-discurso por meio do qual justifique seus experimentos? E mais: como saber se uma teoria é válida ou não?
O que nos resta como parâmetro, segundo Lyotard, é sua performance, isto é, a eficácia que tem a teoria. Bom é o saber que produz os melhores resultados.
Neste ponto de vista, espera-se menos que as experiências realizadas no LHC –Grande Colisor de Hádrons (na sigla em inglês), localizado na fronteira entre a Suíça e a França, revelem uma suposta essência do universo do que produzam resultados concretos que justifiquem o investimento bilionário no projeto.
Mas a pura performance reduz a ciência ao seu aspecto industrial, comercial e lucrativo. Lyotard busca então uma alternativa em um dos aspectos mais positivos da pós-modernidade: o reconhecimento e o convívio harmonioso com as diferenças.
No campo dos saberes, o reconhecimento das diferenças passa pelo que ele chama de paralogia, que significa que um bom saber é aquele que percebe "anomalias" e constrói novos conceitos. O que legitima o saber seria seu aspecto mais criativo, digamos assim. Descobrir, em uma infinidade de informações que bombardeiam a todo instante nossos sentidos, aquelas que são relevantes e se tornarão conhecimento. Alguém aí pensou na internet?
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympio, 2002.

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