Retirado do livro: (COTRIM, Gilberto. Fundamentos da
Filosofia. 16ª ed. reform. e ampl. São Paulo, Saraiva, 2008, pp. 212-214)
OS
FILÓSOFOS PÓS-MODERNOS E CRÍTICA AO PROJETO DE MODERNIDADE
FILOSOFIA
PÓS-MODERNA: a pluralidade dos caminhos e das culturas
O termo pós-moderno
se aplica a um grupo de intelectuais, entre eles alguns filósofos que têm como
ponto comum a crítica ao projeto da modernidade, entendido como o projeto de
emancipação humano-social através do desenvolvimento da razão.
Esses pensadores partem da constatação dos
desastres sociais e ambientais aos quais a sociedade contemporânea chegou:
miséria, desigualdades sociais extremas, catástrofes ambientais, guerras,
dominação dos países economicamente desenvolvidos sobre os demais e a situação
de barbárie que se verifica em algumas regiões do planeta.
Essa corrente de pensadores identifica, como
fizeram Adorno e Horkheimer, o fenômeno da assimilação dos indivíduos ao
sistema, isto é, sua absorção pelo capitalismo, um fenômeno totalitário que se
dá pela narcotização das consciência por intermédio da indústria cultural,
conforme vimos anteriormente, e que alcança todos os setores da vida social.
Essa tendência se fortaleceu na segunda metade do
século XX, após os sinais de degeneração das experiências socialistas, o
chamado socialismo autoritário. Com
a falência do socialismo como modelo alternativo ao sistema capitalista, o
mundo teria se curvado à onipotência do status
quo, sem qualquer perspectiva de transformação.
De forma geral, esse é o quadro herdado pelos
filósofos da pós-modernidade. Assim, o termo pós-moderno designa o fim do
projeto da modernidade, ou seja, a desesperança historicamente constatada
de que a razão técnico-científica favoreça a emancipação humana.
Sem essa perspectiva de uma transformação social
radical, a filosofia pós-moderna passou a analisar os diversos aspectos da vida
social, principalmente aqueles em que se verifica maior racionalização rumo ao controle dos indivíduos, denunciando as
formas de opressão que os acompanham
em sua vida cotidiana.
Essa denúncia é feita de forma fragmentária, isto é, aborda aspectos variados e singulares do
cotidiano e não se estrutura numa visão de conjunto, uma vez que a filosofia
pós-moderna abandonou a pretensão de totalidade que orientava o pensamento
moderno.
Podemos dizer, portanto, que os filósofos
pós-modernos desenvolvem uma visão fragmentada da vida cotidiana e dos
indivíduos também fragmentados. Uma visão preocupada em captar as
singularidades, as particularidades e as diversidades do real. Seu mérito seria
a valorização das pluralidades culturais,
pelo respeito à diferença do outro.
Um traço que está presente em filósofos
pós-modernos é a debilitação das
esperanças – que um dia dominaram o mundo moderno – de compreensão e de
transformação conjunta da vida social. Diante das frustrações históricas,
restou a sensação de que chegamos a um ponto em que o controle da economia
global está fora de nosso alcance e, diante disso, os grandes projetos
emancipatórios, como o do socialismo marxista, perderam o sentido que um dia
tiveram para orientar as iniciativas coletivas.
Entre os pensadores pós-modernos mais
significativos estão os franceses Michel
Foucault, Jean Baudrillard, Jacques Derrida, que estudaremos em seguida,
além de Jean-François Lyotard (1924-1998).
1. Foucault: a microfísica do
poder
De homem
a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco (Foucault)
Segundo Michel Foucault (1926-1984), as sociedades
modernas apresentaram uma nova
organização do poder que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa
nova organização, o poder não se concentra apenas no setor político e nas suas
formas de repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social.
Para Foucault, o poder se fragmentou em micropoderes
e se tornou muito mais eficaz.
Assim, em vez de se deter apenas no macropoder
concentrado no Estado, Foucault analisou esses micropoderes que se espalham
pelas mais diversas instituições da vida social. Isto é, os poderes exercidos
por uma rede imensa de pessoas que interiorizam e cumprem as normas estabelecidas pela disciplina social. Exemplo: os pais, os
porteiros, os enfermeiros, os professores, as secretárias, os guardas, os
fiscais etc.
Adotando essa perspectiva de análise, conhecida
como microfísica do poder, Foucault
afirma que “o poder está em toda parte, não porque englobe tudo” e sim “porque
provém de todos os lugares”.
Na vida cotidiana, segundo o filósofo, esbarramos
mais com os guardiões dos micropoderes – os pequenos donos dos poderes
periféricos – do que com os detentores dos macropoderes. Em seu livro Microfísica do poder, Foucault explica: por dominação eu não entendo o fato de uma
dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre o outro, mas as
múltiplas formas de dominação que se podem exercer na sociedade.
O objetivo de Foucault, como filósofo, foi o de
colocar à mostra estruturas veladas de poder, tendo por inspiração Nietzsche.
Tanto quanto esse filósofo, Foucault afirmou a relação entre saber e poder. Em
suas palavras: vivemos em uma sociedade
que em grande parte marcha ‘ao compasso da verdade’ – ou seja, que produz e faz
circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm,
por esse motivo, poderes específicos.
Genealogia
do poder
Foucault também desenvolveu seu método de pesquisa
à maneira de uma genealogia, como o
fez Nietzsche. Semelhante ao filósofo alemão, adota como ponto de partida a
noção de que os valores – o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o certo e o
errado, o sadio e o doente etc. – são consagrados historicamente em função de
interesses relativos ao poder dentro da sociedade. Em outras palavras, a
definição do que é bom, do que é verdade, do que é sadio depende das
instituições nas quais o poder se encontra.
E, no entendimento de Foucault, esse poder não
seria essencialmente um poder de repressão ou de censura, mas sim um poder criador, no sentido de que produz
a realidade e seus conceitos. Em seu livro Vigiar
e punir, uma genealogia do poder, ele explica esse seu entendimento do que
é poder: é preciso cessar de sempre
descrever os efeitos do poder em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”,
“recalca”, “censura”, “discrimina”, “mascara”, “esconde”. Na verdade, o
poder produz: produz o real; produz os domínios de objetos e os rituais de
verdade.
Nesse mesmo livro, Foucault acompanha a evolução dos
mecanismos de controle social e punição,
que se tornaram cada vez menos visíveis e racionalizados. Ele caracteriza a
sociedade contemporânea como uma sociedade
disciplinar, na qual prevalece a produção de práticas disciplinares de
vigilância e controles constantes, que se estendem a todos os âmbitos da vida
dos indivíduos.
Um exemplo disso seria o tratamento científico dado
à sexualidade, no qual o comportamento sexual é normatizado por meio do
convencimento racional dos indivíduos sobre os cuidados necessários á vida
sexual. Desse modo, assumindo a face do saber,
o poder, segundo Foucault, atinge os indivíduos em seu corpo, em seu comportamento
e em seus sentimentos.
Assim, como o poder se encontra em múltiplos
espaços, a resistência a esse estado de coisas não caberia, segundo o filósofo,
a um partido ou uma classe revolucionária, pois estes se dirigiriam a um único
foco de poder. Seria necessária, portanto, a ação de múltiplos pontos de
resistência
Jacques Derrida (1930-2004) também
critica o desenvolvimento da razão no Ocidente, a partir do próprio conceito de
razão. Para Derrida toda a filosofia ocidental partinha a idéia de um centro,
de algo que unifica e estrutura a sua construção teórica. Deus, homem, verdade
são exemplos de noções que organizam o entendimento do mundo. A isso Derrida
denomina logocenrtismo.
Ele também chama a atenção para o
fato de que a cada um desses centros corresponde uma antítese, o seu oposto.
Deus-diabo; homem-mulher; verdade-mentira. Essa lógica das oposições que,
segundo ele, teve origem no Grécia, na oposição entre logos (razão) e mito,
foi preservada pela filosofia ocidental.
Derrida propõe então desconstruir
o conceito de logos, negar sua
supremacia em relação ao seu par lógico, sem o qual o logos não teria sentido. Em sua interpretação, o pensamento
filosófico ocidental teria atribuído um valor absoluto a um dos elementos que
compõem essa dualidade, criando assim verdades absolutas. Derrida não só nega
essas verdades, mas também identifica nelas a condição de construções
culturais.
Seria necessária, então, a desconstrução
desses centros da filosofia ocidental, especialmente a noção de razão
e de sujeito, segundo Derrida. E isso se faria a partir da análise da
linguagem, que ele entende ser a estrutura essencial da cultura.
· Como se dá a construção de certas noções – por
exemplo, o conceito de razão e os valores a ele associados;
Um
exemplo de metanarrativa é a filosofia iluminista, que acreditava que a razão e
seus produtos - o progresso científico e a tecnologia - levariam o homem à
felicidade, emancipando a humanidade dos dogmas, mitos e superstições dos povos
primitivos.
O
marxismo é outro exemplo de metanarrativa. Para os marxistas, a história era
impulsionada pelo confronto entre duas classes contraditórias, a burguesia e o
proletariado, que resultaria, ao fim da revolução do proletariado, numa
sociedade sem classes, de plena liberdade e igualdade: o comunismo.
A
história, porém, mostrou que, na prática, tais teorias não funcionaram conforme
o previsto. Ao mesmo tempo em que a razão e a ciência melhoraram as condições
de vida das pessoas, promovendo a cura para as doenças e a alfabetização em
larga escala, também deram ao homem o poder de produzir armas de destruição em
massa, como a bomba atômica lançada em Hiroshima em 1945, ao final da Segunda
Guerra Mundial, além de provocar mudanças climáticas causadas pela poluição nas
grandes cidades, e que hoje ameaçam a sobrevivência da espécie humana.
O
marxismo, por sua vez, quando confrontado com a realidade, ao invés do
prometido "paraíso na terra", trouxe regimes totalitários para países
como Rússia, China e Cuba, cujo povo sofreu - em alguns casos, sofre até hoje -
com restrições às liberdades civis e violações dos direitos humanos (que não
são exclusivas de países comunistas, como demonstra a história recente dos EUA
e mesmo do Brasil). Por esta razão, criou-se um clima de desconfiança em
relação a qualquer discurso que proponha formar consensos universais, ou seja,
projetos coletivos que visem "mudar o mundo". Cria-se, assim, um
ambiente para o pós-modernismo [...].
Se as
grandes narrativas que mobilizaram a humanidade foram abandonadas, surge, entre
outros problemas, o de como justificar o saber na sociedade contemporânea. Por
"saber", Lyotard entende um conjunto de conhecimentos que autoriza a
determinada pessoa (cientista, juiz, filósofo, artista, etc.) emitir juízos de
verdade, moral e estética, isto é, dizer que isto é certo ou errado, bom ou
mal, feio ou bonito.
A questão
é que não há mais um acordo em comum sobre esses valores. Ou, nas palavras do
filósofo francês, não há mais uma metanarrativa que torne os discursos aceitos
por todas as culturas. Para a civilização ocidental, fundada em ideais como a
democracia, a liberdade e os direitos individuais, esse relativismo representa
um sério risco.
Mas
Lyotard também não aceita uma continuidade do projeto de modernidade que se
assente sobre o diálogo livre de coerções, como quer Habermas, pois vê nisso um
retorno à metanarrativa iluminista (ver o texto “Habermas, Apel e a ética da
linguagem”) O que fazer?
Lyotard
baseia-se no conceito de jogos de linguagem, de Wittgenstein (ver o
artigo “ Filosofia pós-moderna – Heidegger e Wittgenstein” ) para afirmar que a
legitimação dos saberes só pode ser local e contextual. Assim como a linguagem
só adquire sentido quando usada, isto é, quando se torna um "lance"
em um jogo específico, os saberes também, para Lyotard, são justificados por consensos
provisórios e parciais.
Este
problema de legitimação apareceu, por exemplo, no recente debate ético a
respeito do uso de células-tronco embrionárias pela ciência. Para o Iluminismo,
bastava seguir a razão, não a fé religiosa, que estaríamos agindo da maneira
correta. Como fica quando a ciência não tem mais um meta-discurso por meio do
qual justifique seus experimentos? E mais: como saber se uma teoria é válida ou
não?
O que nos
resta como parâmetro, segundo Lyotard, é sua performance, isto é, a eficácia
que tem a teoria. Bom é o saber que produz os melhores resultados.
Neste
ponto de vista, espera-se menos que as experiências realizadas no LHC –Grande
Colisor de Hádrons (na sigla em inglês), localizado na fronteira entre a Suíça
e a França, revelem uma suposta essência do universo do que produzam resultados
concretos que justifiquem o investimento bilionário no projeto.
Mas a
pura performance reduz a ciência ao seu aspecto industrial, comercial e
lucrativo. Lyotard busca então uma alternativa em um dos aspectos mais positivos
da pós-modernidade: o reconhecimento e o convívio harmonioso com as diferenças.
No campo
dos saberes, o reconhecimento das diferenças passa pelo que ele chama de paralogia,
que significa que um bom saber é aquele que percebe "anomalias" e
constrói novos conceitos. O que legitima o saber seria seu aspecto mais
criativo, digamos assim. Descobrir, em uma infinidade de informações que
bombardeiam a todo instante nossos sentidos, aquelas que são relevantes e se
tornarão conhecimento. Alguém aí pensou na internet?
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna.
São Paulo: José Olympio, 2002.
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