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O bolsonarismo e a mobilização política de medos.

Em 2018, a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro foi permeada pela mobilização de temores históricos em relação às crises econômicas, acompanhado de uma combinação de uma alegada “ameaça comunista” e a necessidade de uma cruzada moral "antigênero”, reunindo, assim, apoio na oposição ao Partido dos Trabalhadores. A mobilização política de medos não se limitou ao contexto eleitoral, encontrando amplo espaço durante os anos de governo, destacadamente no período da pandemia de Covid-19 (Kalil et al, 2021).

A mobilização de medos encontrou também espaço no campo da moral, ativando temores sobre a destruição da família tradicional, dos valores conservadores, entendidos como pilares da nação. Neste contexto, caberia aos patriotas lutarem contra o pensamento “esquerdista”, “progressista” que, através das escolas e das mídias, buscariam realiza uma “lavagem cerebral” no cidadão brasileiro, para assim instituir valores contrários aos tradicionais.

 

O tema da manipulação está sempre presente nos discursos bolsonaristas. É a ideia de que o “outro” é autoritário, corrupto, que para se manter no poder manipula e engana. Neste contexto, o “nós” seriam aqueles que conseguem perceber esta manipulação e agem para desvelar o suposto esquema perverso de controle, sendo por isso, perseguidos e silenciados.

Há nos discursos a ideia de que os “esquerdistas” se colocam como defensores da liberdade, do igualitarismo, no entanto, isso seria apenas um engodo. Ao se olhar mais de perto, segundo os bolsonaristas, se perceberia que na verdade o pensamento de esquerda é autoritário e contrário os ideais democráticos. 

Apoiando-se em estudiosos do tema, como a linguista austríaca Ruth Wodak (2015), é possível afirmar que há nestes discursos um processo de simplificação dos problemas sociais, econômicos e culturais vividos no Brasil. E, através desta simplificação, são criados “bodes expiatórios”, que servem para nortear a percepção sobre os culpados e as prováveis soluções para os problemas postos.

Ainda segundo Wodak (2015), para que a simplificação ganhe legitimidade, isto é, para que as explicações propostas ganhem adeptos, há o uso de algumas estratégias: a) a autoridade, quando especialistas comentam o assunto(médicos falando sobre a ineficácia das vacinas); b) a racionalidade, que diz respeito ao uso de resultados de pesquisas; c) a moral, que se refere à presença de justificativas e argumentos que se apoiam nos valores tradicionais; d) a mitopoiesis, que diz respeito a criação de grandes estruturas narrativas, que procuram mostrar que há um encadeamento lógico nos fatos observados, e que sempre há algo oculto, que precisa ser desvelado.

Neste suposto contexto de manipulação, de risco aos valores tradicionais, de ameaça à liberdade, de ataques à democracia, de usurpação do futuro das novas gerações, a solução seria a manutenção de Jair Bolsonaro no poder. 

Afinal, segundo o discurso dos bolsonaristas, se o Brasil enfrenta problemas, a culpa é dos seguidos anos de governo do PT, que desestabilizaram a máquina pública; assim como dos opositores políticos, que tentam a todo custo atravancar o governo federal. Resta saber qual será o peso destes discursos bolsonaristas nas eleições de 2022. 


KALIL, I., SILVEIRA, S.C., PINHEIRO, W., Kalil, A., PEREIRA, J.V., AZARIAS, W. and AMPARO, A.B. (2021) Politics of fear in Brazil: Far-right conspiracy theories on COVID-19, Global Discourse, vol 11, no 3, 409–425.

WODAK, R.The Politics of Fear: What Right-wing Populist Discourses Mean, London: Sage, 2015.



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