“O novo coronavírus causou pelo
menos 31.412 mortes em
todo o mundo desde que surgiu em dezembro, de acordo com um balanço da AFP, com
base em informações da Organização Mundial da Saúde (OMS)”[1].
“Acho
que não vai chegar a esse ponto, até porque o brasileiro tem de ser estudado,
não pega nada. Vê o cara pulando em esgoto, sai, mergulha e não acontece nada.”
(Bolsonaro)[2]
O que leva uma pessoa a acreditar em
certas situações e afirmações está muito relacionado a fatores subjetivos, como
crenças anteriores, emoções, sentimentos, além de fatores culturais, como a
hierarquia de valores, que muitas vezes funcionam como filtros a partir dos
quais os fatos são apreendidos.
Mesmo quando as porções de informações
recebidas são objetivas, factuais, a pessoa tende a separá-las como sendo mais
ou menos relevante, acreditando mais em umas do que em outras. Este tipo de
valoração é próprio do ser humano, seguindo suas crenças prévias, como ocorre
com a tendência, produzida pelo sistema motivacional, de se acreditar mais naquilo
que se teme ou naquilo que se deseja.
Uma decisão ou escolha bem
fundamentada seria aquela que se baseia em crenças bem estruturadas, o que
significa que estas precisam ser imparciais, de modo que o agente consiga
interpretar os fatos para além dos moldes das crenças anteriores. Para tanto, deve-se
reunir um conjunto suficiente de informações que forneça uma visão mais geral
sobre os acontecimentos, a fim de sustentar a decisão. Deste modo, mesmo que se
cometa erros, não o fará de forma sistemática.
A dificuldade está na delimitação do
que seria o conjunto suficiente de informações, vez que o que se considera o
ótimo de informação é um fator subjetivo, dependente das crenças e interesses
anteriores. Por exemplo, quando alguém vai comprar um carro, se o agente não se
importa com a fator tempo, não vai se esforçar para comparar a durabilidade dos
vários modelos.
Ao levarmos para o campo da política,
podemos perceber que o cidadão se importará com informações sobre o candidato X
ou Y de acordo com seus interesses prévios. Suponhamos que um cidadão não se
importe com questões climáticas, as informações sobre os candidatos referente a
este tema, não terão um peso significativo no processo de decisão.
A questão se torna problemática quando
pensamos em um cidadão que moldou suas crenças a partir de um conjunto de
desinformação, o qual foi produzido e vinculado de uma forma tal, capaz de
atingir o seu perfil, dadas as análises prévias dos dados digitais, os quais
também o fazem estar inserido dentro de uma bolha digital, na qual as
desinformações reverberam ao ponto de se afirmarem.
Neste processo, cria-se uma
pré-disposição para a ação A, a qual, aos poucos é alimentada (através das
diversas mídias sociais), enquadrada de acordo com interesses pré-determinados,
a ponto de se tornar uma crença, reafirmada continuamente pelos pares (sensação
de pertencimento), de modo que a ação A apareça como sendo a que trará melhores
benefícios, seja para o indivíduo (como os benefícios econômicos), seja para a
coletividade (defesa dos valores sociais ou mesmo de um bem comum), devendo,
portanto, ser defendida. E, caso apareça informações que tentem provar que a
opção A não é a melhor, o mecanismo da desinformação procura pautar o discurso,
de modo que as opiniões contrárias sejam minimizadas, esvaziadas e até vistas
como ataques infundados.
O que está em jogo não é apenas a
possibilidade de guiar o que o sujeito vai fazer, no sentido de “faça isso” ou “não
faça aquilo”, o alvo são as motivações por trás da ação. Como os desejos e
crenças são motores motivacionais da ação, ao se fortalecer as crenças, ao se
alimentar as emoções, o agente entende que está agindo a partir das melhores
razões, por isso a decisão parece ser a mais acertada.
Ao reinterpretar os fatos, a
desinformação leva o sujeito a uma percepção distorcida da realidade, a qual
influência nas suas crenças e emoções presentes, assim como na forma de interpretar
e projetar o futuro, distorcendo, assim, a noção de presente, a interpretação
do passado e a projeção do futuro. Dentro deste contexto, pode-se tentar
entender o que leva certas pessoas a apoiarem um discurso infundado (sem dados
científicos), irrealista (desvinculado dos fatos concretos) que traz riscos
para si e para a sociedade como um todo.
Não se pode incorrer no erro de
eximir o agente de culpa, vez que ele é responsável pela decisão que toma, do
mesmo modo que não se pode limitar-se a explicações simplistas, que incentivem a
polarização. Há um processo por trás da desinformação presente no discurso político
atual, processo que é antigo, mas que ganhou uma nova roupagem, muito mais
estruturada e eficaz.
Referências:
ELSTER, Jon. Reason and Rationality. Princeton:
Princeton U.P., 2009.
FIGUEIRA, J.
SANTOS, S. As Fake News e a nova ordem
(des)informativa na Era da Pós-Verdade. Coimbra University Press, 2019.
Comentários
Postar um comentário