Ao invés de colocar em pauta os reais problemas da
educação brasileira, como as estruturas precárias, a não valorização dos
docentes, a falta de estratégias de ensino mais amplas e abrangentes, capazes de
combater o determinismo social, o presidente brasileiro apela para sua arma
mais recorrente, a polarização. A separação entre “nós” e “eles”, entre o “certo”
e o “errado”, entre os “bons” e os “maus”.
A polarização é uma ferramenta útil e versátil, cabe à
diversos contextos, sejam eles culturais, políticos, sociais ou econômicos e, serve
muito bem ao Bolsonaro: na falta de capacidade técnica- intelectual para
debater, rotula-se o outro pejorativamente, sem necessitar de maiores
explicações. Neste contexto, o primado da emoção sobre a razão é essencial para
a construção de uma polarização constante da população, dialética que permite
ao governante legitimar suas condutas e decisões.
E mais, ao rotular o debate político e social como discurso
ideológico que precisa ser combatido e eliminado, o governo Bolsonaro procura
criar uma mordaça, desqualificando qualquer fala que venha de fora de seu círculo
de apoiadores, sem necessitar de qualquer aporte teórico ou técnico para justificar
sua posição. Nesta sociedade amordaçada,
na qual apenas um grupo restrito teria poder e lugar de fala, a educação
pública de qualidade aparece como um perigo real.
O pensamento crítico e consciente estimula debates
livres e abertos, no qual argumentos bem construídos valem mais do que suposições,
achismos ou gritos infundados, no qual opiniões discordantes não sejam vistas
como gladiadores, escravos “inimigos” que devem se aniquilar. A educação
pública de qualidade não combina com mordaça, e isso pode amedrontar quem tem um
repertório restrito, que se limita aos carácteres do Twitter e à base teórica
de Olavo de Carvalho.
Numa sociedade amordaçada, sem debate, sem esfera
pública, não há construção do “nós”, pois o coletivo se perde na segmentação. Não
há mobilização social, simplesmente porque o social cede lugar para ao
individual, contexto no qual o problema do outro não me diz respeito. Tem
crianças morrendo de fome? A educação pública é precária? Pessoas morrem na
fila de espera de hospitais? Nada disso é relevante. A cegueira social é uma
consequência da sociedade amordaçada. Aquele que é impossibilitado de falar por
si mesmo, que não tem poder de discurso, não tem história, e por não serem
ouvidos, deixam de ser vistos.
Neste contexto, se torna compreensível à aversão por
disciplinas como a Filosofia, exercício intelectual que tanto parece atemorizar
Bolsonaro, ameaça porque não teme as respostas que produzem novas perguntas e,
deste modo, alarga horizontes, nos deixa mais atentos e nos ensina a enxergar o
que vemos. Ou a Sociologia, que ao procurar analisar as relações sociais,
conduz ao contato com o diverso, ao mesmo tempo que permite a percepção da
unidade.
É obvio que não podemos culpar o governo Bolsonaro pelas
desigualdades existentes no Brasil, pelos preconceitos arraigados na sociedade,
ou as mazelas da educação. Os problemas brasileiros têm raízes muito mais
antigas e profundas. Por outro lado, os discursos e ações do atual governo
caminham na direção contrária de uma solução, ou mesmo, da possibilidade de
amenizar os problemas.
Não sejamos ingênuos. Vivemos em um contexto de uma
burrice calculada, que procura pautar discursos e moldar debates. Não nos
deixemos levar pela polarização, por discursos infundados que procuram criar culpados
para se eximir da responsabilidade. O que está em jogo é muito mais do que uma sigla
ou uma inclinação partidária. A questão que vivemos agora é o risco de desmonte
democrático do Brasil.
Thatiane Moreira
Referências
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. 5º ed.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 2000;
ECO, Umberto. O
Fascismo Eterno, in: Cinco Escritos Morais, Tradução: Eliana Aguiar,
Editora Record, Rio de Janeiro, 2002.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. [Organização e
tradução de Roberto Machado]. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
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