A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, texto
de Max Weber publicado originalmente em 1904, foi e continua sendo uma
referência fundamental em se tratando de questões que problematizam as relações
entre religião e sociedade. Weber investiga qual a relação entre a religião
protestante e a origem do capitalista-industrial, tendo como foco o progresso
da racionalização no Ocidente.
O autor não se propõe alcançar uma conexão objetiva
entre o sistema econômico denominado capitalismo e a religião protestante, o
termo “espírito do capitalismo” deve ser entendido como uma mentalidade e um
modo de conduta determinados, problematizados em suas características
essenciais e em sua gênese e singularidade históricas.
Além do mais, Weber procura abranger apenas certos
aspectos do espírito capitalista, assim como restringe seu objeto de estudos à
ética protestante calvinista/ puritana. A interrogação fundamental que o autor
vê à sua frente diz respeito à maneira que certas crenças religiosas determinam
o aparecimento de uma mentalidade econômica, isto é, o ethos de uma forma econômica.
Para se entender o percurso adotado por Weber no
livro, é preciso ter em mente o método adotado, e o que o autor entende por
fazer ciência. 2 Weber não busca o saber universal, o estabelecimento de leis
gerais, mas a compreensão de determinados fenômenos históricos, vez que uma
pesquisa que visa alcançar à adequação de sentido entre esferas do real,
restringe-se somente a certas partes deste, isto é, destaca da realidade
determinados fenômenos que lhe interessam.
Temos pois, como inerente ao método científico, a
seleção de aspectos significativos e, portanto, parciais do todo de um fenômeno
histórico. Para Weber são os valores dominantes na cultura e na época do
investigador que determinam a seleção do objeto, por isso, Weber não concebe a
ciência como definitiva. O sociólogo procura utilizar seu método científico
para comprovar sua hipótese sobre uma possível conexão de sentido entre a ética
protestante e o espírito capitalista. Chegando à essa hipótese depois de várias
constatações ao nível histórico.
É preciso
ressaltar que Weber não tem por objeto de estudo, o espírito capitalista e o
protestantismo de modo geral. O sociólogo vai buscar a conexão de sentido sobre
determinados aspectos do espírito do capitalismo, principalmente, o que diz
respeito à racionalização no ocidente, e a ética protestante calvinista, ou
seja, constrói um objeto específico de pesquisa, tendo como ato primeiro o
juízo de valor.
A racionalização para Weber é um processo de extensão
quase universal, que se espraia através da história da civilização. Toda a
macro teoria do autor se processa na comparação dos racionalismos: ocidental e
oriental, para entender as peculiaridades do desenvolvimento da razão no
ocidente, da qual o capitalismo é a maior expressão.
O processo de racionalização envolve fatores
econômicos em ação e fatores que não são econômicos, como várias linhas de
força que se cruzam, vários tipos de ações sociais interconectadas. Por isso, o
autor procura analisar a relação que se estabelece em dado momento histórico
entre, por um lado, o modo como determinadas populações europeias orientam sua
ação religiosa e econômica, e, por outro, como correntes do protestantismo que
levavam as pessoas a procurar indícios da sua salvação, se articulavam com o
modo pelo qual estas pessoas conduziam suas condutas na área econômica.
Após determinar
a área do real que interessa estudar, Weber passa a construir os tipos ideais,
ferramenta essencial para a sociologia. De acordo com Weber, para que o sociólogo
possa analisar uma dada situação social, torna-se necessário criar um tipo
ideal, a partir de elementos da realidade histórica, que servirá como um
instrumento para orientar a investigação e a ação do ator, como uma espécie de
parâmetro de comparação, útil para classificar os objetos de estudo.
Por isso, Weber se dedica à construção dos tipos
ideais de espírito do capitalismo e da ética protestante ascética, para,
posteriormente, poder verificar uma possível conexão de sentido entre ambos,
objetivo último de seu trabalho. Ao analisar o processo de racionalização no
ocidente, tendo como base elementos históricos, Weber demonstra que o motor da
mudança histórica, que determinou a origem do capitalismo, não foi o afluxo de
capital, mas sim um novo espírito capitalista, um novo ethos social.
Weber propõe
como hipótese a relação existente entre uma conduta de vida, determinada por
uma religião, e esse espírito capitalista. Para entender este novo ethos
social, Weber passa a analisar o conceito de ascese dentro do calvinismo, o
qual se relaciona à noção de predestinação, isto é, Deus decide, no momento da
criação, quais são os salvos e quais são os condenados, por isso, não adianta
rezar ou se arrepender dos pecados.
Como o indivíduo não consegue precisar se está ou não
salvo, a doutrina calvinista prega que se deve agir do melhor modo possível
dentro do exercício da profissão, único campo do qual o indivíduo tem controle.
O trabalho passa, então, a ser visto como um momento de autodisciplina e de
comprimento da vontade de Deus, e fazê-lo bem, oferece maior esperança sobre a
salvação.
A ideia básica trabalhada pelo calvinismo é a de que havendo
uma insegurança fundamental sobre se a pessoa será ou não salva depois da
morte, essa angústia a conduz a orientar a conduta numa área em que os
resultados são palpáveis, como a área da economia. Portanto, os bens de
salvação se deslocaram do campo do mágico para se tornarem seculares, processo
denominado por Weber de ascese intramundana. A ideia de que o homem tem dever
para com as riquezas que lhe foram confiadas, tendo por isso o dever de
conservá-las intactas, e mesmo aumentá-las, quando possível, para a glória de
Deus, somado ao sentimento ascético, conduz ao enriquecimento do indivíduo,
porque ela leva a uma produção associada a ideia de poupança, portanto, a uma
ideia de acumulação e não de gasto.
É assim que,
segundo Weber, no século XVII nasceu o ethos
especificamente burguês do trabalho. O ascetismo desse século é que vai
propiciar uma motivação psicológica ao trabalho (Beruf), encarando este como sendo o melhor, senão o único meio de
assegurar seu estado de graça, legalizando assim a atividade aquisitiva do
empresário como uma vocação.
Por isso, é
possível afirmar que o motor da mudança histórica, que determinou a origem do
capitalismo, não foi o acumulo de capital, mas sim um novo espírito
capitalista, um novo ethos social.
Este processo de racionalização conduz a um desencantamento do mundo, que não
deve ser entendido como desalento, como um vazio, mas diz respeito a uma
reestruturação de papéis, afastamento de explicações mágicas, ou seja, que não
são racionais. Este desencantamento é dado pela própria religião, como o
protestantismo: o modo de conduta protestante que incita a trabalhar e a poupar
como a melhor meio de servir a Deus, além de ser uma forma de operar com a
religião sem intermediários.
Deste modo,
Weber consegue comprovar que os elementos essenciais do chamado espírito do
capitalismo, sendo o principal dentre eles a racionalização, estão presentes no
ascetismo calvinista/ puritano da profissão, portanto, o autor comprova sua
hipótese inicial.
WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo, Cia das Letras.
2004.
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