A sociedade contemporânea defronta-se com a quebra dos
valores, normas e diretrizes construídos a partir do projeto moderno,
resultando em estruturações e desestruturações, normatizações e transgressões
que se imbricam dialeticamente, e instauram desafios à pesquisa em educação.
Para Lyotard (1988), as mudanças vividas pela contemporaneidade fizeram-se mais
presentes e intensas a partir do final dos anos 1950, quando a Europa completou
sua reconstrução, tendo sido mais ou menos rápidas conforme o país. A evidência
dos novos fatos socioculturais levou alguns estudiosos a caracterizá-los como
pós-modernos, instalando-se uma polêmica sobre o fim da modernidade.
Ao se referir a sociedade contemporânea, o sociólogo polonês
Zygmunt Bauman (2001) utiliza o conceito de modernidade líquida para se opor à
rigidez da modernidade sólida fundamentada na crença da transformação do mundo
pela ciência, na universalidade da razão e na noção de progresso. Na modernidade
líquida, tudo passa, se dissolve, se desmaterializa, caracterizada como a era
do instantâneo, da rapidez tecnológica, da efemeridade, momento no qual “as
certezas da modernidade sólida se foram, e agora a única certeza são as
incertezas” (BAUMAN, 2001). A modernidade líquida, com suas características e
implicações, promoveu a quebra de várias estruturas nas quais se assentavam as
bases sociais e, dentre elas, os fundamentos educacionais.
A partir dos escritos de Bauman, encontramos duas
possibilidades de abordar a educação na modernidade sólida, a saber como
fábrica da ordem (BAUMAN 2011) e a educação como produto (BAUMAN, 2001). A
primeira destas abordagens, influenciada pela teoria de Michel Foucault , vai
demostrar que a escola era a sede da universalização dos valores sociais,
destinado a produção de corpos dóceis, disciplinados e eficientes. Já a segunda
abordagem trata do modo de entender o conhecimento como tendo valor
proporcional a sua duração, por isso a formação escolar visava fornecer uma educação
para toda vida, como um produto que pode ser consumido hoje e sempre. Neste
contexto, a função da educação escolarizada seria entregar um produto, ou seja,
o saber de valor duradouro.
Tanto a interpretação da educação como fábrica da ordem
quanto a educação como produto ainda se encontram na base da estrutura
educacional da sociedade contemporânea, mesmo não encontrando mais respaldo nas
características que constituem a modernidade líquida. A noção da escola como
uma espécie de locus da vigilância, defendida e propagada pela modernidade
sólida, cedeu lugar para a Vigilância Líquida, na qual cada indivíduo já teria
em si mesmo o aparato de vigilância, como um homem-caramujo, sujeito entregue à
autovigilância ou à vigilância do outro, substituindo a repressão pela sedução,
mudança que traz implicações políticas para a contemporaneidade. Também não faz
mais sentido defender uma educação para toda a vida, como um castelo imutável
do saber, em uma sociedade que fez da liquidez seu paradigma.
Portanto, não vivemos mais no tipo de mundo para o qual as
escolas estavam preparadas a educar os alunos. A modernidade líquida trouxe
novas conjunturas que desestabilizaram as bases de sustentação da educação
escolarizada, não sendo mais possível falar da escola como guardiã do saber que
melhor representa o mundo. Num contexto cada vez mais instável e passageiro,
qual seria o papel do processo formativo? A educação seria apenas um
repositório de conhecimento, com o objetivo de preparar os indivíduos para o
mercado? Ou seria possível falar de uma educação para a cidadania? Como uma
forma de transformação e emancipação do ser humano?
Afinal, qual o papel do educador hoje?
BIBLIOGRAFIA
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LYOTARD,
J.-F. O Pós-Moderno. 3.ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1988.
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